Pesquisa mostra relações entre besouros e cupins no cerrado

Nos anos recentes, uma equipe de cientistas dedicados à pesquisa de cobras e lagartos do cerrado brasileiro fez uma descoberta intrigante. Durante suas coletas, eles começaram a notar que esses animais frequentemente se refugiavam em ninho de cupins.

Entretanto, não se tratava de montes de termitas comuns, mas sim de construções que foram invadidas e alteradas por diferentes insetos, especialmente as larvas de besouros do grupo Actinobolus. Esses insetos aproveitam-se desse espaço para se nutrir e passar pelo processo de metamorfose até alcançarem a fase adulta. Esses intrusos criam grandes galerias, suficientemente amplas para que répteis e até outros seres, como pequenos mamíferos e aves, as utilizem como refúgios.

Embora a presença de larvas não seja essencial, diversos animais, predominantemente de menores dimensões, aproveitam-se do local. Contudo, quando esses animais consomem o ninho, espécies maiores, incluindo mamíferos e aves, conseguem acessar o cupinzeiro e utilizá-lo como abrigo”, esclarece o pesquisador Reuber Brandão, da Universidade de Brasília (UnB) e da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

A pesquisa foi realizada em colaboração com o cientista Luís Felipe Carvalho de Lima, na Reserva Natural Serra do Tombador, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) administrada pela Fundação Boticário, localizada em Cavalcante (GO). Os pesquisadores descobriram que os cupinzeiros alterados pelas larvas de besouros oferecem proteção a répteis, mamíferos e aves durante eventos como incêndios e secas, pois asseguram a preservação da umidade e da temperatura, mesmo em condições extremas como queimadas.

Entretanto, assim como ocorre em diversas interações ecológicas, uma das espécies acaba saindo prejudicada. Neste contexto, os cupins são os afetados, pois suas colônias são destruídas, tornando-se inviáveis para a sua sobrevivência.

As larvas de besouro se adaptaram para entrar no ninho e se alimentam dele. Elas consomem as larvas de cupins e os próprios cupins que não conseguem escapar. Dessa forma, acabam destruindo a colônia,” diz Brandão.

 

Mudanças climáticas

O estudo revelou que, até o momento, a presença do Actinobolus em cupinzeiros é uma ocorrência infrequente, registrando-se em apenas 2% dos 179 cupinzeiros analisados. Contudo, persiste uma incerteza sobre como essa relação irá se desenvolver com as mudanças climáticas previstas.

“Na ausência da atividade de conservação dos cupinzeiros pelos cupins, essas estruturas podem se deteriorar ao longo do tempo. Os cupinzeiros inativos têm uma durabilidade menor em comparação aos ativos. Uma das nossas preocupações refere-se às alterações climáticas no cerrado, onde se prevê a redução das chuvas e o aumento das temperaturas. Isso terá um impacto positivo ou negativo sobre os besouros?”, enfatiza Brandão.

Não está claro, por exemplo, de que maneira o crescimento das queimadas, em um cerrado que se tornará mais quente e seco, influenciará as interações entre as diversas espécies animais. Se o besouro se beneficiar nesse novo ambiente, ele poderá gerar mais abrigos para os animais de maior porte durante as queimadas, em um curto período. Contudo, a longo prazo, isso pode acarretar um efeito contrário: a diminuição dos abrigos, pois poderá haver uma redução na quantidade de cupins responsáveis pela construção de novos cupinzeiros.

Isso pode diminuir a disponibilidade de nutrientes para as espécies que se nutrem de cupins, como os tamanduás.

Os cupins representam a maior parte da biomassa animal encontrada no cerrado. Não existe outro animal na região que possua tanta biomassa assim. Dessa forma, eles se tornam a principal fonte de alimento para diversos habitantes do cerrado, incluindo desde invertebrados até tamanduás, que se alimentam desses insetos.

Assim, nos anos vindouros, o estudo seguirá monitorando o comportamento dos besouros e as consequências de suas ações no cerrado, além de avaliar como as mudanças climáticas afetarão as interações ecológicas.

“Estamos bastante inquietos em relação ao futuro dos cupinzeiros. É evidente que os equilíbrios ecológicos estão sendo alterados, tanto devido às ações humanas como a ocupação de áreas, o consumo de água e os incêndios provocados pelo homemquanto por alterações mais graduais que afetam o cerrado, como a redução das chuvas e o aumento das temperaturas. Essas mudanças terão consequências a longo prazo.”(Foto: Imagem de Herbert Bieser por Pixabay)

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