Pesquisa aponta corte de 6,9% na renda do trabalhador e ganho de 24% dos acionistas em 2022

Relatório da Oxfam mostra que a renda do trabalhador caiu no Brasil, no último ano da gestão Bolsonaro, mais do que a média mundial de 3,19%, mas os dividendos pagos a acionistas subiram 14% a mais do que a média mundial de 10%

 

 

A renda dos trabalhadores e das trabalhadoras brasileiros caiu no ano de 2022, último ano da gestão Bolsonaro, em relação a 2021, mais do que a média de 50 países do mundo. Em contrapartida os ricos ficaram ainda mais ricos. É o que revela o relatório lançando neste 1º de maio, Dia Internacional do Trabalhador, pelo Comitê de Oxford para Alívio da Fome (Oxfam), uma organização independente sem fins lucrativos com atuação no país desde 2014.

O salário médio teve queda de 6,9% enquanto o de diretores executivos (CEOs) subiu 9%. Já o rendimento dos acionistas de empresas brasileiras chegou a 23,8% (US$ 27,3 bilhões), de modo que acumularam US$ 33,8 bilhões, quase o mesmo montante do que trabalhadoras e trabalhadores do país tiveram em cortes em seus salários, informou a entidade. Em 2021, o salário mensal médio no Brasil era de R$ 2.480,80. Em 2022, o salário foi de R$ 2.540,33 mensais, o que dá uma alta de 2,14%. No entanto, a inflação de 9% corroeu esse ganho, deixando a correção do valor real do salário no país menor.

O relatório confirma a desigualdade social no país. No mundo a média de queda da renda do trabalhador foi de 3,19%, menos da metade da queda no Brasil. A média do rendimento dos acionistas nos países pesquisados pela Oxfam foi menos da metade do que lucraram os brasileiros, de 10%. Ou seja, no Brasil o salário do pobre cai e o lucro dos ricos aumenta ainda mais do que no restante do mundo.

No caso da Suécia, por exemplo, a balança pendeu ainda mais para os privilegiados. Lá, a redução da remuneração da classe trabalhadora foi de 10%. Estados Unidos e Reino Unido igualaram-se, com uma porcentagem de 3,2%, mas têm diferenças quanto aos mais abastados. No caso dos EUA, os cem principais CEOs ganharam US$ 24 milhões, em média, no ano passado, quantia 15% maior do que a registrada em 2021. No Reino Unido, o montante foi de US$ 5 milhões, ficando 4,4% acima do atingido no ano anterior.

Estas cifras, para efeito de comparação, mostram que um trabalhador dos Estados Unidos teria que se manter em atividade durante 413 anos para conquistar o que o CEO no topo da cadeia recebe em um ano. No caso britânico, o que se nota é que os presidentes de companhias ganham o equivalente a 140 vezes o valor do salário médio dos assalariados.

De acordo com o levantamento da Oxfam, os pagamentos feitos aos acionistas, considerados “exorbitantes”, beneficiam os mais ricos da sociedade, aumentando os níveis já altos de desigualdade. No mundo, segundo a organização, 1 bilhão de trabalhadoras e trabalhadores de 50 países tiveram um corte médio de US$ 685 em seus salários em 2022. A perda coletiva foi de US$ 746 bilhões em salários reais (caso os pagamentos tivessem sido reajustados pela inflação).

Segundo o coordenador de justiça econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, o trabalho informal tem sido a principal fonte de retomada do emprego no País, o que justifica, em parte esses resultados. “No Brasil, a recuperação do emprego tem se dado às custas, principalmente, de trabalho informal, mais precário, com menos acesso a direitos e renda média menor”, avaliou.

Já para Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, a política do governo anterior de austeridade e ataques aos sindicatos justifica o avanço do precipício entre os mais ricos e os trabalhadores assalariados no Brasil. “Enquanto os executivos de grandes empresas lucram com aumentos de seus salários e dividendos de ações, a grande parte da população, que é trabalhadora assalariada, tem seus salários reduzidos e mal conseguem acompanhar o custo de vida em seus países. Anos de austeridade e ataques aos sindicatos aumentaram o fosso entre os mais ricos e o resto de nós. Essa desigualdade é inaceitável e, infelizmente, nada surpreendente”, afirmou Katia Maia.

“O único aumento que a classe trabalhadora viu em 2022 foi o do trabalho de cuidados não remunerado, que recai majoritariamente sobre as mulheres”, completou a executiva.

 

Em pronunciamento oficial em cadeia nacional de rádio e TV, Lula criticou a política econômica do governo anterior: “Poucas vezes na história o povo brasileiro foi tratado com tanto desprezo e teve tão pouco a comemorar”. (Foto: Reprodução/TV)

 

Na noite de domingo (30), durante pronunciamento oficial em cadeia nacional de rádio e TV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou seu antecessor, Jair Bolsonaro e sua gestão no que tange os direitos trabalhistas. “Tudo piorou nos últimos anos. O emprego sumiu. Os salários perderam poder de compra. A inflação subiu. Os juros dispararam. Direitos conquistados ao longo de décadas foram destruídos de um dia pro outro. Poucas vezes na história o povo brasileiro foi tratado com tanto desprezo e teve tão pouco a comemorar”, afirmou Lula ao anunciar o aumento real do salário mínimo, que há 6 anos não subia acima da inflação.

Tributar os mais ricos

Uma das direções apontadas pela Oxfam como solução para os problemas elencados no relatório é tributar devida e proporcionalmente a parcela mais rica em todos os países. A ONG lembra, por exemplo, que os impostos sobre a renda de dividendos e ações caíram de 61%, em 1980, para 42% na atualidade, um dado relevante para a discussão, já que é a partir da cobrança desses encargos que se pode ampliar as verbas públicas em áreas como saúde e educação.

Para Jefferson, essa margem de lucro entregue aos acionistas deve ser uma das partes que compõem a discussão em torno da reforma tributária, tendo em vista a possibilidade de contrapartida à sociedade que se pode abrir. Ele explica que, no Brasil, a obrigação não se aplica à pessoa física e salienta que a medida já conta com aprovação de ampla parcela da população.

“É um tema que se conecta com esse debate que está se tendo no Brasil, nesse momento, no âmbito da reforma tributária. A gente está debatendo no Congresso Nacional, focando, principalmente agora, no imposto sobre o consumo. Mas, em um segundo momento, e isso tem sido dito no Congresso, se pretende trabalhar com reforma do imposto sobre bens e patrimônio, e é fundamental falar também sobre o retorno da tributação sobre lucros e dividendos”, diz.

 

Mulheres

A conclusão é de que a jornada mensal de mulheres e meninas tem, pelo menos, 380 bilhões de horas de atividades de cuidado não remuneradas, o que prova que certos estereótipos de gênero, como a função de se responsabilizar, de forma central, pela criação dos filhos, ainda pesam sobre elas. Com frequência, assinala a Oxfam, trabalhadoras acabam encurtando seus expedientes ou mesmo abandonam os empregos por causa dessas atividades. Além disso, também enfrentam discriminação, assédio e recebem salários mais baixos do que os homens.

Jefferson Nascimento, complementa as colocações da entidade com um dado relacionado ao assunto, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em março deste ano. Segundo o órgão, as trabalhadoras do país recebem um salário 22% menor do que os trabalhadores do gênero masculino.

“Até a pandemia, até 2020, havia uma tendência de diminuição da diferença de remuneração entre homens e mulheres, que foi revertida. Tem vários fatores por trás disso. A maior parte do desemprego é de mulheres, a maior taxa de trabalhadores informais é entre mulheres. A gente sabe que o trabalho informal paga, em média, menos do que o trabalho formalizado. Então, de alguma maneira, a precarização do trabalho, esses instrumentos que a incentivam, como a reforma trabalhista de 2017, criaram as condições para que houvesse esse aumento de diferença”, diz Jefferson.

Metodologia

A organização não governamental adotou como referência dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para fazer os cálculos. Uma das constatações, que instigam a pensar no contexto de desigualdades sociais, é o corte médio de US$ 685 na conta de um bilhão de trabalhadores de 50 países, que acabaria significando uma perda coletiva de US$ 746 bilhões em salários reais, caso os salários tivessem sido reajustados pela inflação.

Na África do Sul, o rendimento dos CEOs não foi tanto, mas a disparidade entre o que eles e os trabalhadores da base embolsaram também é expressiva. Os executivos ampliaram em 13% os salários, somando US$ 800 mil, em média, ao fim de 2022, o que correspondeu a 43 vezes o salário médio dos trabalhadores.

Outro dado que ajuda compreender a dinâmica socioeconômica do país africano concerne aos títulos e ações de empresas. O 1% mais rico concentra 95% dos papéis, proporção que cai para 54% nos Estados Unidos. (Foto: Reprodução/Internet)

 

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