A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve votar hoje a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3, de 2022, que põe fim aos chamados “terrenos de Marinha” e permite que quem já utiliza ou está instalado nessa faixa de terra tenha condições de adquiri-la.
A matéria foi apelidada de PEC das Praias depois que veio à tona uma polêmica que envolveu o jogador do Al-Hilal e da seleção brasileira Neymar e a atriz e influenciadora digital Luana Piovani. Ela o acusa de ter interesse na proposta por ser sócio de um empreendimento hoteleiro na costa pernambucana, mas o atleta nega.
A PEC chegou a ganhar impulso em maio, mas, devido aos intenso debates que provocou nas redes sociais, foi congelada. Mas, de acordo com os bastidores do Senado, foi desengavetada próxima do ano legislativo por um acordo entre o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), e integrantes da oposição. A manobra seria uma forma de o parlamentar pelo Amapá “pagar” aos bolsonaristas pelo apoio à sua eleição à Presidência da Casa, em fevereiro do próximo ano.
O relator da PEC é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que deu parecer favorável à matéria. Segundo ele, com a extinção dos “terrenos de Marinha”, isso poderia aumentar a arrecadação do governo — uma vez que as áreas seriam vendidas por meio da Secretaria do Patrimônio da União, ligada ao Ministério do Planejamento.
“Não estamos tratando ou tentando privatizar as praias, ou tentando impedir o acesso de ninguém. Acho que o governo está sendo burro de impedir ou de atrasar essa votação, porque vai aumentar a arrecadação da União”, disse em entrevista à CNN, na segunda-feira.
Segundo o senador, o valor eventualmente arrecadado com a venda dos terrenos e dos impostos relacionados às transações serão direcionados a um fundo de preservação de praias e de tratamento de esgoto.
O pai do senador, Jair Bolsonaro, em várias oportunidades defendeu que a Costa Verde do litoral fluminense se tornasse uma região aberta a resorts. O ex-presidente em muitas entrevistas disse que gostaria que o local se transformasse na “Acapulco brasileira”.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB) e especialista em direito constitucional, Paulo Henrique Blair de Oliveira explica os efeitos da PEC. “O que ela faz, tecnicamente, é o que se chama em direito administrativo de ‘desafetação’: você retira do patrimônio público uma condição de indisponibilidade — porque esse patrimônio era, em princípio, um patrimônio de uso geral e, por isso, não poderia ser concedido de forma exclusiva a nenhuma pessoa, nem mesmo por licitação, exatamente porque ele se destinava esse uso geral”, explica.
Benefícios inexistentes
Diferentemente de alguns juristas, Paulo Henrique não vê inconstitucionalidade na PEC. Porém, considera que o texto não beneficiaria as comunidades locais.
“E o impacto do ponto de vista de recursos públicos que vai trazer me parece que vai ser pequeno”, pontua.
Para ele, o principal problema da PEC é a possibilidade de retirar o acesso da população, especialmente das comunidades locais, o acesso às praias.
“As áreas desafetadas estão sendo, precisamente, aquelas que têm uma visibilidade turística maior. Um grande resort poderia, por exemplo, arrematar em um leilão o uso exclusivo de uma determinada praia por 50 anos. E a população que não tem acesso a ele fica excluída do uso da praia”, advertiu. (Foto: G1)