O vereador Rubinho Nunes (União) conseguiu 24 assinaturas para instalar a CPI das ONGs – que, na prática, tem o sacerdote como seu principal alvo
O padre Julio Lancellotti se pronunciou nas redes sociais após vereadores de São Paulo articularem a criação de uma CPI das ONGs, que mira instituições que prestam apoio humanitário a pessoas em situação de rua e a dependentes químicos da região da Cracolândia. Na prática, contudo, um dos principais alvos da comissão é o sacerdote, da Paróquia São Miguel Arcanjo, que é uma liderança no trabalho de assistência às populações vulneráveis da região. Também entram na mira o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar), ligado à igreja católica; e o movimento Craco Resiste, movimento social que atua contra a violência policial na Cracolândia.
Em seu perfil, o padre disse que não pertence a nenhuma Organização da Sociedade Civil ou Organização Não Governamental (ONG) que seja conveniada à prefeitura da cidade. “Esclareço que não pertenço a nenhuma Organização da Sociedade Civil ou Organização Não Governamental que utilize de convênio com o Poder Público Municipal. A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que por sua vez, não se encontra vinculada de nenhuma forma, as atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão”, afirmou Lancellotti, em nota.
Segundo o padre, a CPI das ONGs teria o objetivo de investigar e fiscalizar as “Organizações Não Governamentais (ONGs) que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a Cracolândia”, que seriam beneficiadas com convênios em parceria com a prefeitura.
O caso
O vereador de São Paulo Rubinho Nunes (União Brasil), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), que deixou a agremiação em outubro de 2022, conseguiu o aval de seus colegas para aprovar a criação da CPI das ONGs na Câmara paulistana. A iniciativa obteve 25 assinaturas. A expectativa é a de que a comissão seja instalada no retorno do recesso, que termina em 1º de fevereiro. O requerimento inicial mira, principalmente, duas entidades que realizam trabalho comunitário destinado à população de rua e aos dependentes químicos da região: o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) e no coletivo Craco Resiste. Nunes acusa o religioso de fazer parcerias com elas.
“Existe uma chamada máfia da miséria para obter ganhos por meio da boa-fé da população e isso não é ético e nem moral. O padre Júlio é o verdadeiro cafetão de miséria em São Paulo. A atuação dele retroalimenta a situação das pessoas. Não é só comida e sabonete que vai resolver a situação”, alegou Nunes.
Esta não é a primeira vez que o vereador critica o padre publicamente. Em dezembro, o convocou a prestar depoimento na Frente Parlamentar em Defesa do Centro, o que gerou críticas de políticos da esquerda como a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann.
Progressistas saem em defesa de padre Julio Lancellotti
Também pelas redes sociais, lideranças políticas manifestaram apoio ao padre Julio Lancellotti e repúdio a iniciativa dos vereadores da base do governo paulista que instalaram a CPI das ONGs. O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, publicou no Instagram uma imagem que diz “protejam o Padre Júlio Lancellotti”. Recentemente, Boulos disse que doou o auxílio-mudança que recebeu pelo mandato em Brasília ao pároco.
Na manhã desta quarta-feira, o nome de padre Júlio chegou aos assuntos mais comentados do X (antigo Twitter). O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) foi mais um dos que demonstrou insatisfação com a iniciativa e ainda alfinetou Rubinho Nunes: “Parece que a cidade de São Paulo não tem nenhum problema que mereça a atenção do vereador”, escreveu em seu perfil no X (antigo Twitter).
Já Erika Hilton (PSOL-SP) disse ser um absurdo uma CPI para investigar ONGs que acolhem pessoas em situação vulnerável. “Tinha que ser obra dos mimados e criados a danoninho do MBL”, afirmou. O deputado Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ) disse que é lamentável a postura da câmara de São Paulo a aprovação dessa CPI, nitidamente para perseguir politicamente o padre Julio Lancellotti. “O Padre Júlio é um irmão em Cristo, comprometido com o povo oprimido, com uma fé engajada e amorosa. Sua vida é farol e profecia. Pratica o cristianismo popular, simples, da partilha, da fidelidade ao Cristo de Nazaré. Sua voz incomoda, pois carrega a verdade do amor”, disse.
A deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) também classificou como inadmissível a investigação. “Enquanto a cidade está ao léu, tentam perseguir quem está ao lado da população, lutando por moradia digna, comida e políticas públicas efetivas”. O deputado federal Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur, destacou o episódio como uma página triste na história da Câmara Municipal de São Paulo.
“Que página triste da história da Câmara Municipal de São Paulo: perseguir, com uma CPI, quem dedica sua vida a fazer o bem. Sorte tem a cidade de contar com a humanidade de Padre Júlio Lancellotti, que segue o exemplo de Cristo e se dedica tanto a acolher famílias que deveriam, por direito, ser amparadas pelo estado. E esses vereadores, o que fazem pelos mais pobres?”, questionou.
(Foto: Henrique de Campos/Instagram)