Orçamento secreto: Dino determina transparência nas ‘emendas PIX’ e que CGU faça auditoria

Ministro do STF determinou que os beneficiados pelas transferências deverão apresentar informações sobre uso dos recursos antes de receberem os valores; CGU deverá fazer auditoria, em um prazo de 90 dias, a partir da data da decisão, das emendas repassadas entre 2020 e 2024

 

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na noite desta quinta-feira (1º) que os repasses de emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento da União — as chamadas “emendas Pix” —  devem seguir regras de transparência e garantir mecanismos para permitir o seu rastreio e fiscalização.

Esse instrumento é uma modalidade de emenda parlamentar que envolve a transferência direta do dinheiro a estados e municípios, sem fiscalização por parte do governo. Para Dino, a destinação de verba por meio dessa emenda deve ser passível de órgãos de controle, como Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Essa determinação vale para todas as transferências do tipo, inclusive as realizadas antes da decisão do ministro.

A decisão liminar foi tomada após uma audiência de conciliação com representantes do Congresso, que discutiu as emendas RP9, conhecidas como “orçamento secreto”. Para o ministro, a indicação ou a destinação de qualquer recurso da União deve ter vinculo federativo — o que, na prática, significa que os congressistas só poderão indicar emendas para estados e municípios com os quais têm vínculos eleitorais. Dino considera que as emendas dos parlamentares devem seguir critérios de transparência e de rastreabilidade.

A CGU tem 90 dias para realizar a auditoria, mas adiantou que começará o procedimento imediatamente. A reavaliação tem como alvo emendas repassadas entre 2020 e 2024. Dino determinou, também, que o governo federal só libere os pagamentos das emendas depois de os parlamentares inserirem no Portal Transferegov as informações sobre as transferências — como dados envolvendo plano de trabalho, estimativa de recursos e prazo para a execução dos valores.

A determinação do ministro alcança, também, que as organizações não-governamentais (ONGs) deverão seguir as mesmas regras de transparência e rastreabilidade quando atuarem como executoras das emendas. “Nesse sentido, deve-se compreender que a transparência requer a ampla divulgação das contas públicas, a fim de assegurar o controle institucional e social do orçamento público”, frisou o ministro.

A decisão responde à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, protocolada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A entidade argumentou que o Congresso e o Poder Executivo não estão cumprindo a decisão do STF que colocou fim ao chamado “orçamento secreto” — pelo qual emendas eram protocoladas e pagas sem regras de transparência, e cuja destinação dos recursos era igualmente pouco clara. Em dezembro de 2022, a partir de ação protocolada pelo PSol, a Corte entendeu que esse “orçamento secreto” era inconstitucional.

 

PEC inconstitucional

O STF decidiu, por 8 x 2, que é inconstitucional a emenda aprovada pelo Congresso, em 2022, que estabeleceu estado de emergência devido ao aumento do preço dos combustíveis e ampliou benefícios sociais a poucos meses das eleições — a chamada “PEC Kamikaze”. A decisão não tem efeitos práticos para os benefícios distribuídos a partir da norma, mas servirá como precedente para evitar a repetição de medidas que influenciem o processo eleitoral.

A ação foi ajuizada pelo partido Novo. Prevaleceu o entendimento do ministro Gilmar Mendes, que votou pela procedência parcial da ação. Ele defendeu ser preciso “afirmar em tese que esse tipo de ingerência no processo eleitoral é inconstitucional” para ter uma regra contra situações que venham a ocorrer no futuro.

“Valeu uma vez, não mais. Senão, corremos o risco de aprimoramento desse modelo”, afirmou. Ele foi seguido pelos ministros Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. “Acredito que ninguém entenda que esse pacote de bondades não teve influência eleitoral”, salientou Moraes.

Em dezembro de 2022, quando a ação começou a ser julgada no plenário virtual, o magistrado tinha acompanhado o relator André Mendonça, mas disse que decidiu mudar o voto a partir dos debates realizados na sessão de ontem.

Mendonça entendeu que houve perda de objeto da ação em razão do “exaurimento dos efeitos” da medida. Ele ficou isolado nesta posição. O ministro Nunes Marques também divergiu da maioria, mas por negar o mérito do pedido, apesar de considerar que não houve perda de objeto. O ministro Cristiano Zanin declarou-se impedido.

A “PEC Kamikaze” foi articulada pelo governo de Jair Bolsonaro com sua base no Congresso. Aumentou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, além de conceder uma bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil e uma bolsa-taxista de R$ 200 mensais até dezembro de 2022. A proposta incluiu, ainda, o reajuste do vale-gás para chegar a R$ 120 (um botijão de 13kg) a cada dois meses.

O pacote de bondades ainda repassou R$ 2,5 bilhões para garantir gratuidade no transporte público urbano para idosos e subsidiar o custo do etanol, com mais R$ 3,8 bilhões. Todas as medidas valeram somente até o fim de 2022.

(Foto: Brenno Carvalho/Ag. O Globo)

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