No domingo (13), o pleito presidencial no Equador chegou ao fim, cercado por acusações de irregularidades feitas pela oposição, que tem à frente a candidata de esquerda Luisa González, do partido Revolução Cidadã. Com mais de 97% das urnas contadas, os dados oficiais mostraram que o atual presidente de direita, Daniel Noboa, obteve 55,6% dos votos, em contraste com os 44,3% recebidos por Luisa.
A oposição aponta como sinais de possíveis irregularidades eleitorais a presença de atas sem assinaturas e a discrepância entre os dados das pesquisas e os resultados divulgados. Além disso, houve inquietação em relação à alteração de 18 locais de votação, que foi justificada pela falta de condições climáticas.
A declaração de Estado de Exceção feita por Noboa um dia antes da eleição é considerada uma intromissão no processo eleitoral. O decreto resultou na suspensão de direitos essenciais, como a proteção da residência e o direito à manifestação, além de estabelecer um toque de recolher na cidade de Quito e em mais sete províncias. O governo justifica a ação como uma necessidade para conter a escalada da violência no país.
De acordo com especialistas ouvidos pela Agência Brasil, as ações recentes de Noboa, incluindo a declaração de Estado de Exceção, geram incertezas sobre os resultados. Esses especialistas também observam que existem elementos políticos que podem explicar a ampliação da vantagem de Noboa sobre González, que passou de 20 mil para 1,2 milhão de votos entre o primeiro e o segundo turno.
Regime de autoritarismo
Segundo a docente de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Silva Pedroso, a polarização política pode elucidar a margem de vitória que Noboa obteve no segundo turno.
“Não é possível afirmar com certeza o que ocorreu, pois temos escassez de informações sólidas. No entanto, essa atmosfera de desconfiança em relação ao resultado é compreensível, dado o comportamento autoritário do governo Noboa. O decreto de Estado de Exceção pode ter desempenhado um papel como uma forma de intimidar as pessoas, fazendo-as se sentirem coibidas em exercer seu direito de voto”, analisou.
Carolina mencionou que é natural o crescimento na divergência de votos devido ao “ambiente de temor do retorno do correísmo ao governo. Além disso, há o receio da venezuelização do país, um argumento que se nota com frequência durante a campanha eleitoral“.
O correísmo é a vertente política do ex-presidente Rafael Correa, que esteve à frente do governo de 2007 a 2017, e nesta eleição tem Luisa González como sua representante.
A professora de Relações Internacionais da Unifesp, Regiane Nitch Bressan, enfatizou que, até agora, os principais observadores internacionais não apresentaram questionamentos sobre os resultados.
“Noboa se beneficia do suporte da máquina pública, o que lhe permite conduzir uma eleição bastante competitiva. Ele faz parte de uma extrema-direita que tem dominado as redes sociais de maneira eficaz. Não me surpreende que tenha sido reeleito, mesmo com 28% da população vivendo na pobreza e o país lidando com sérios desafios relacionados à criminalidade“, refletiu.
Observação de outros países
A missão de monitoramento eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) incluiu 84 observadores distribuídos em 20 províncias do Equador. Durante o processo de votação, o líder da missão, Heraldo Muñoz, declarou que a eleição estava ocorrendo “por enquanto” de maneira pacífica.
Depois que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou os resultados, Luis Almagro, secretário-geral da OEA, felicitou Noboa pela conquista e afirmou que os números revelados pelo conselho coincidem com os dados obtidos pelos observadores da organização. No entanto, ele destacou que a instituição continuará a acompanhar “eventuais processos institucionais que possam aparecer”.
A missão eleitoral da União Europeia (UE) deve divulgar sua avaliação sobre a eleição no Equador apenas nesta terça-feira (15). Gabriel Mato Adrover, líder da missão europeia, comunicou que a votação transcorreu de forma tranquila no final da manhã de domingo, sem mencionar quaisquer anormalidades.
No Equador, as eleições são realizadas por meio de votação manual, utilizando papel. Ao término do processo de votação, cada urna é aberta e os votos são contabilizados, sendo o resultado documentado em uma ata que é assinada pelas autoridades presentes e confirmada pelos fiscais de cada partido. Após isso, a ata é encaminhada ao CNE, responsável pela soma dos votos.
Fraudes em evidência
A postulante da ala progressista, Luisa González, afirmou que esta pode ser considerada “talvez a mais absurda manipulação eleitoral” que o Equador já enfrentou, acrescentando que o país está “sob uma ditadura”.
Ela solicita a recontagem das cédulas com a abertura das urnas.
“Foram realizadas 11 análises e estudos estatísticos, e todas, inclusive as conduzidas pelo governo, nos indicaram a vitória. Nenhuma delas, no entanto, apresentou uma margem como a que observamos no CNE,” destacou em sua fala após a divulgação do resultado.
A oposição continua a apresentar atas de votação registradas no CNE desprovidas de assinaturas como prova de possível fraude. “Várias atas oficiais, sem assinaturas e sem validade legal, confirmaram exclusivamente resultados benéficos a Daniel Noboa, infringindo as normas fundamentais da transparência nas eleições”, afirma o partido Revolução Cidadã em uma declaração divulgada na última segunda-feira.
O ex-presidente Rafael Correa sustentou que a quantidade de votos para Luisa não poderia diminuir em pelo menos quatro províncias, conforme o que foi estimado pelo CNE.
“Exceto se um grande desastre tiver acontecido, não é viável diminuir a quantidade de votos, como aconteceu em Guayas e em outras províncias”, explicou.
A líder do CNE, Diana Atamaint, declarou que os resultados representam “a verdadeira expressão da vontade do povo” em um processo que foi claro e ocorreu em tranquilidade.
“A democracia ganha força quando se leva em consideração a opinião da população. E hoje essa opinião foi claramente ouvida“, declarou.
Votos para recontagem
Cabe à autoridade eleitoral do país determinar se a solicitação da oposição para a recontagem dos votos apresenta evidências de irregularidades que justificariam uma nova contagem manual.
“A oposição deve fornecer evidências para que o CNE avalie o procedimento e verifique sua validade. Em vez de revisar 100% das atas, eles se concentrariam apenas nas que, teoricamente, apresentam irregularidades”, esclareceu a professora Carolina Silva Pedroso.
Crescimento da extrema-direita
A docente da Unifesp, Regiane Bressan, opina que é improvável que o resultado se altere, mesmo com os questionamentos da oposição. Ela ressalta que a conquista de Noboa intensifica a divisão ideológica entre as nações da América Latina diante da ascensão da extrema-direita.
“Noboa conta com o respaldo dos Estados Unidos, o que gera uma divisão no cenário latino-americano. Essa divisão se intensifica pois países como El Salvador, Equador e Argentina estão muito mais sintonizados com os EUA“, complementou.
Segundo a especialista em assuntos da América Latina, o triunfo de Noboa complica os esforços do Brasil em unir o continente para uma atuação conjunta frente às políticas do governo Trump.
“O Brasil não deseja criar uma oposição explícita, mas busca apresentar uma alternativa a Trump para encontrar soluções frente ao aumento de tarifas e outras questões problemáticas do governo dos Estados Unidos. A vitória de Noboa complica a liderança do Brasil e a possibilidade de um consenso para enfrentar os desafios futuros”, afirma.
A especialista também considera que a administração de Noboa precisará adotar uma postura mais rígida em suas estratégias de segurança, suspendendo direitos básicos sob a alegação de enfrentar a criminalidade, semelhante ao que foi feito em El Salvador. Com sua eleição para um mandato provisório de 18 meses, Noboa agora dispõe de 4 anos para colocar em prática suas diretrizes no Equador. (Foto: Reuters/David Diaz Arcos e Henry Romero/)