Glauco Alexander Lima (São Paulo) –Da invenção da escrita, 4 mil anos antes de Cristo, até a invenção da imprensa no século 15 depois de Cristo, tivemos a formação das bases de boa parte do que chamamos antiguidade.
Um longo tempo que determinou padrões de estilos de vida, comportamentos e formas de controle social.
A invenção da imprensa mudou tudo. Criou novas relações.
A nova comunicação ajudou a disseminar mais rapidamente e com menos custos, novas ideias, novos pensamentos e contribuiu até para rachar o catolicismo, fazendo surgir a Reforma Protestante.
Da invenção de Johannes Gutenberg, a popularização da impressa, depois o rádio e depois a televisão, dos sites na internet, até ali por 2010, foram mais de 500 anos com uma hierarquia de comunicação bem definida, estabelecendo o poder das empresas de mídia e a postura das pessoas como meras receptoras de conteúdo. Foi o tempo da comunicação um para muitos.
Um dono de jornal para muitos leitores, um dono de rádio para muitos ouvintes, um dono de portal web para muitos internautas. Havia um controle da narrativa por parte dos que controlavam os meios de produção e distribuição da informação. Fosse de cigarro ou refrigerantes ou noticiário sobre um golpe de estado.
Mas por volta de 2010, com a consolidação das chamadas redes sociais na web, começa um mundo ainda indefinível. Em pouco mais de 10 anos tivemos mais novidades em termos de comunicação mexendo no comportamento humano do que nos últimos cinco séculos anteriores.
As novas tecnologias, mais do que criar novos meios para comunicar, estão criando um novo ser humano. Estão misturando cada vez mais comunicação pessoal com comunicação social, transformando aquele homem que assistia passivamente o telejornal no sofá em um produtor de conteúdos.
Entendendo-se conteúdo, deste um texto compartilhado em segundos com vários grupos em aplicativos de bate-papo, até uma remontagem pessoal do telejornal, omitindo trechos, acrescentando falas, vinhetas e produzindo algo que reforce as crenças dessa pessoa.
Essas crenças podem ser desde suas crenças religiosas, seus gostos musicais ou sua visão política da Terra, seja ela qual Terra for, redonda ou plana. Agora a pessoa produz conteúdo e tem meios para se tornar uma rede. São milhões de CNNs, BBCs e Globos, de todos os tamanhos e formatos.
Psicólogos sociais
Ninguém, por mais poderoso que seja, consegue mais fazer comunicação sozinho. É preciso conquistar pessoas todo dia, nutrir com conteúdos e converter essas pessoas em ativistas disseminadores e engajadores favoráveis. É a comunicação muitos para muitos.
Essa alucinante transformação mundial, que envolve mídia, política, eleições, consumo e poder, tem no Brasil, no ano de 2013, mais precisamente no mês de junho de 2013, uma gigantesca turbulência que ainda causa tremores e temores até hoje, passada uma década daquele terremoto que começou com protestos contra 20 centavos de aumento no preço da passagem do sistema de transporte coletivo na Grande São Paulo e virou algo com milhares de reivindicações, protestos, exigências, manifestações e rebeldias variadas, algumas rebeldes sem saber exatamente por qual causa.
Os fatos de junho de 2013 já foram muito estudados e analisados por cientistas sociais, cientistas políticos, antropólogos, economistas, psicólogos sociais, especialistas em cultura e estudiosos da comunicação. É impossível tentar entender tudo aquilo sem essa transversalidade de temas e áreas de conhecimento.
Mas o grande fato novo nisso tudo, a novidade realmente abaladora, é sem dúvida a mudança na mídia, na comunicação, nos diálogos mediados por novas tecnologias, os algoritmos, o novo empoderamento midiático, que permitiu ao cidadão anônimo a chance de intervir e ser uma fagulha no até então desconhecido e surpreendente mundo de algodão molhado de álcool como era o ambiente sócio-político no meio daquele ano de 2013 no Brasil.
Esse novo humano, dotado de muitas formas de expressão e de vários canais para alcançar outros humanos, gera um desejo crescente por uma nova forma de representação.
Uma rejeição por delegar a alguém a tarefa de representá-lo e uma reivindicação por uma democracia diferente, embora poucos saibam dizer o que seria esse diferente. O clima fica excitante, mas também favorável para o estímulo da apatia, do desencanto, do desprezo por tudo, pela adoção do não-pensar.
Esse novo ser digital renova a linguagem e a escrita, surgem novos alfabetos e símbolos gráficos. Existem muitas reviravoltas acontecendo ao mesmo tempo, revoluções e retrocessos. Fluxo e refluxos.
Atividade fim
O cérebro pulsa, inflando e encolhendo. A comunicação que era uma atividade meio em todas as organizações, sejam privadas, públicas, políticas ou não-governamentais, passa a ser atividade fim.
Esse admirável e preocupante mundo novo fez muita gente que nunca tinha se interessado por política, querer entrar no debate e no embate. Mas essa oferta imensa de informação, fez muita gente entrar pela porta distorcida, pela teoria da conspiração.
Não foi buscar o caminho natural e a avalanche de informação impede muitas vezes o acesso ao conhecimento.
Uma das palavras de ordem mais tradutoras e ameaçados das jornadas de junho de 2013 é a famosa “saímos do facebook!”. Milhares de seres saindo do Facebook, do twitter, do Youtube e ocupando a arena política, social, cultural, cientifica e tudo mais.
Agora em 2022 tivemos mais uma grande leva de representantes desse mundo virtual eleitos para os parlamentos, criando parlamentares mais preocupados em lacrar, fazer lives, buscar o debate raso, oco, inconsistente, como se a vida real fosse uma dança no Tik Tok ou um viral no Instagram.
Junho de 2013 é a comprovação, na vida real, de que nada será como antes. Os algoritmos das grandes big techs vão fechando as pessoas cada vez mais em certezas, impedem a pluralidade, a tolerância e o aprofundamento na complexidade das relações num dos países mais desiguais do mundo.
Mudanças na religiosidade brasileira, mudanças no capitalismo, globalização da economia, um turbilhão de fatos no meio e uma ebulição na forma de comunicar, pode criar um pais tão difícil de definir e gerenciar com aquelas passeatas daquele ainda ardente junho de 2013. (Foto Reprodução)