Por Henrique Acker – O debate sobre o apagão energético que atingiu Espanha e Portugal em 28 de abril pode ser realizado de diversas maneiras. O pior deles é ignorar o centro do problema.
Não se trata de uma discussão apenas entre esquerda e direita, estatistas e liberais. Trata-se de um problema que atinge o conjunto das pessoas, nas suas necessidades mais básicas.
Num mundo em que as tecnologias estão no dia a dia, na cozinha de casa, no trabalho, nos transportes, no lazer, nas operações bancárias, nas comunicações, enfim, em tudo, o sistema energético assume papel estratégico.
Essas operações do cotidiano atingem a todos, independentemente da classe social a que pertençam. Portanto, elas dizem respeito a bilhões de pessoas, que pagam impostos – direta ou indiretamente – e que não podem viver sem eletricidade, seja qual for a fonte energética utilizada para produzi-la.
O que está em jogo não é um capricho, uma questão menor, de interesse de alguns. Não! É uma necessidade vital, determinante até para a preservação de vidas em UTI de hospitais.
A onda de privatizações que varreu o planeta a partir dos anos Reagan e Thatcher não encontrou limites. “Deixem que o mercado regula”, diziam os financistas.
Acontece que quaisquer serviços estratégicos precisam ser planejados e prestados com precisão, não podem falhar. E, se falharem, têm que contar com sistemas de emergência que os acudam. O prejuízo do apagão, calculado inicialmente por economistas espanhóis, só naquele país chega a 1,6 bilhão de euros.
Governantes, pressionados, aparecem constrangidos, apresentando desculpas à sociedade tanto em Portugal quanto na Espanha. Falam em falha inadmissível, pedem auditoria para investigar o caso e formam até comissão para apontar soluções.
Mas não tocam no ponto crucial da questão. Afinal, de quem é a responsabilidade pela produção, distribuição e fornecimento da energia elétrica nesses dois países, assim como na maioria do planeta? Vão continuar insistindo nesse sistema?
A sociedade pode ficar refém da lógica de um punhado de empresas privadas em setores estratégicos, cujo objetivo sempre foi, é e sempre será o lucro acima de qualquer outro interesse?
Quem define as estratégias dessas empresas que ocupam papel determinante nas vidas das pessoas? Quem define as metas de crescimento, investimento e as prioridades?
Já está evidente, pelas experiências em diversos países, que as tais “agências reguladoras” não passam de convescotes dos amigos e representantes das empresas privadas.
Quando são penalizadas, as multas aparecem apenas como efeito contábil no balanço de perdas e ganhos dessas empresas, tamanha a insignificância dos valores cobrados diante dos lucros auferidos.
E são triplamente remuneradas: 1- Ganham na exploração dos serviços, cobrando valores dos clientes sempre acima das contas das antigas empresas estatais ou públicas; 2 – Via de regra, recebem isenções fiscais, que nada mais são do que prêmios pelos serviços que prestam; 3 – E ainda captam recursos bilionários em ações nas bolsas de valores.
E mais: a maioria dessas empresas não passa de investimentos em carteira, em que os maiores acionistas são remunerados por “dividendos” milionários pagos anualmente. Esses milhões, em vez de serem usados para reinvestir nos serviços prestados pelas empresas, engordam as contas dos bilionários das holdings, que controlam todos os ramos da economia mundial.
Os que procuram argumentos para justificar o injustificável, volta e meia, atacam a “ineficiência do Estado” e a “presença do Estado na economia”. O que precisa existir nas empresas públicas e estatais é justamente o que as empresas privadas jamais permitem em sua gestão: transparência.
A Vale do Rio Doce (hoje só “Vale”) nunca foi envolvida em graves acidentes ambientais, com a morte de centenas de pessoas, antes de sua privatização. A TAP, tão atacada por parcela da mídia empresarial portuguesa, foi privatizada com recursos da própria empresa, e seu controle foi retomado pelo Estado português por absoluta ineficiência do grupo que a arrematou. O pré-sal, tecnologia inovadora na prospecção de petróleo, é fruto das pesquisas e investimentos da Petrobras, estatal brasileira.
As empresas estatais estratégicas são e sempre foram as melhores em projetos e resultados por três motivos essenciais:
. Têm orçamento próprio e podem contar com investimentos públicos.
. Possuem pessoal altamente capacitado, entre técnicos e operadores concursados, geralmente os melhores.
. Seus investimentos redundam no fortalecimento de uma cadeia de fornecedores, gerando novos negócios e empregos.
Se os governantes espanhóis e portugueses tiverem um pingo de espírito público, devem rever o sistema de privatização que redundou no fracasso de 28 de abril. Não se pode confiar as vidas de seus patrícios e o cotidiano de seus países ao aventureirismo dos que nada constroem.
Aliás, onde estão os CEO dessas empresas? Será que não têm nada a dizer? Será que algum deles vai aparecer e dar satisfação de suas atividades ou apresentar soluções? Quem vai pagar pelos prejuízos do apagão?
Por Henrique Acker (correspondente internacional)