(*) Glauco Alexander Lima – Despedidas políticas raramente ganham solenidade. Mas o fim do PSDB, o chamado partido tucano, mesmo silencioso, merece um lamento – não só pela sigla que se apaga, mas pelo que ela simbolizou em um determinado tempo da nossa República. O Partido da Social Democracia Brasileira, fundado em 1988 por um grupo de dissidentes do velho MDB, nasceu com um projeto: adaptar ao Brasil uma ideia de bem-estar social à moda europeia ocidental, com instituições fortes, pluralismo cultural e justiça social.
Não era um partido de massas inflamadas, nem de líderes messiânicos. Era de catedráticos, de gestores, de tecnocratas idealistas. Sua trajetória ganhou corpo com governadores influentes, com bancadas ativas, com uma presidência da República que, com todos os erros e acertos, representava o Brasil do equilíbrio, da racionalidade econômica, do combate à inflação e da inserção internacional com responsabilidade. Foi um partido que tentou modernizar o país sem romper com a democracia e sem truculência. Um partido que debateu ideias sem rasgar a Constituição.
É certo que, nas últimas duas décadas, o PSDB perdeu muito de seu propósito inicial. Tentou flertar com a nova direita raivosa sem jamais conquistar sua alma. Tentou se reposicionar, mas perdeu sua identidade. Quando mais precisava reafirmar seus princípios, calou-se ou tergiversou. O bom e querido tucano foi perdendo as cores, o charme e alguns afetos. Tornou-se uma caricatura de si mesmo. Em vez de renovar-se, deixou-se consumir por personalismos, por disputas internas e por uma base social cada vez mais dispersa.
Mas é um erro interpretar seu fim apenas como o colapso de uma estrutura partidária. A extinção do PSDB é também um sintoma do empobrecimento político que nos cerca. Em tempos de gritos, memes e algoritmos, partidos de ideias, de projetos, de debates consistentes são tratados como entulhos. Hoje muitos partidos fogem da associação com partidos políticos, criando nomes que não trazem nada de posicionamento ou conceito. Por isso é triste perder um partido que tinha no nome uma declaração de princípios: partido da social democracia brasileira. E o que se perde, além de uma legenda, é um espaço simbólico para a construção do diálogo, do centro democrático, da reforma com responsabilidade social.
O PSDB foi abrigo para nomes brilhantes que pensaram o Brasil com seriedade, que governaram grandes estados, que deixaram marcas reais. Pode-se discordar de suas políticas, questionar seus rumos e decisões, mas não se pode negar o papel que desempenhou no fortalecimento institucional do país. Seu desaparecimento não é só uma página virada: é um sinal de que o país caminha para extremos, criando de um lado um campo democrático cada vez menor número de partidos e, de outro, um movimento que quer a ruptura, o golpe e o totalitatismo.
Lamentar o fim do PSDB não é fazer apologia a um partido, é defender a política como espaço civilizado de disputa. É lembrar que o Brasil precisa de mais convergência, mais diálogo, mais equilíbrio – e menos treta e lacração.
Num tempo em que o barulho vale mais que o conteúdo, o fim do PSDB é mais um silêncio ensurdecedor. Que sirva, ao menos, como alerta e de alguma reflexão sobre o que se quer para este país tão desigual e tão necessitado de política no melhor sentido do termo.
(*) Glauco Alexander Lima – Operário do setor de comunicação