O buraco brasileiro e o medo do comunismo.

Glauco Lima – Por maior que seja a tua pobreza, a tua falta de oportunidades, no Brasil tu vais sempre  encontrar alguém mais pobre que tu. A miséria no Brasil é assim. Um buraco profundo!

Em alguns casos, mesmo sendo bastante pobre, vais te sentir rico vendo tanta gente tão mais sofrida. E essa sensação, longe de promover alguma alegria, causa um desespero e angústia nos que tem alguma alma.

O Brasil social é um buraco sem fundo, cavado por mais de 500 anos, sendo que destes, uns 350 anos foram de escravidão de seres humanos negros, o que funcionou como uma potente escavadeira, deixando o fundo do fundo do poço cada vez mais longe da luz.

A miséria no Brasil é tão profunda, que cria o que o poeta Chico chamou de barão da ralé.

O barão da ralé é aquela pessoa que, mesmo não tendo quase nada, dá seus pulos e consegue ter uma casa com um piso precário, mas que já o faz um barão, diante dos que moram pisando direto na terra batida e sofrem diariamente com bicho de pé e outras enfermidades piores.

O Brasil é o pais onde um operário humilde morador de Joinville, que se queixa com razão da casinha alugada de alvenaria, com apenas um quarto para um família de quatro pessoas, mas que é um barão perto do cara que mora numa palafita sobre um igapó poluído em Ananindeua, e assiste diariamente  toletes de bosta passarem navegando na frente do seu barraco.

O Brasil tem uma desigualdade regional tão cruel que um morador classe média baixa do Sul de Minas Gerais pode até parecer ter condição de vida europeia da Bélgica, se comparado com um morador miserável do norte do mesmo estado de Minas Gerais.

Mesmo os mais comprometidos com a melhoria de vida dos mais pobres, os mais sensíveis, em suas mesas de estudo e de trabalho, nas suas redes sociais na web ou deitados numa rede na varanda, sonhando com um mundo mais justo, jamais terão a dimensão real do que é ser pobre no Brasil.

Ninguém sabe o que é ser miserável no Brasil sem que seja miserável no Brasil.

Ainda mais quando se é miserável, preto, mulher mãe chefa da família. Essa diferença torna a comunicação difícil e os entendimentos distorcidos.

Os signos, sentidos e conceitos mudam muito de um universo para outro, as vezes distante por poucos quilômetros.

A ideia de lixo, luxo, de justiça, de gente de bem, de resto, de esperança, de podre, nessa profusão de mundos no brasileiro embaralham tudo.

Os mundos embutidos nesse Brasil profundo, apesar de muitos, se tocam e se encaram a toda a hora.

Os poucos que ocupam o pequeno topo onde habitam as pessoas que controlam quase toda a riqueza, volta e meia se encontram com gente das profundezas mais sombrias da pobreza.

O homem num carro de um milhão de reais é abordado num dia de rotina da grande cidade por um subnutrido, que por ausência de proteínas entre zero e seis anos, nunca conseguiu estudar direito, mesmo tendo ido para uma boa escola pública.

Esse buraco enorme distorce todos os debates no Brasil, torna nossa terra um terreno fértil para demagogia, distorções, teorias conspiratórias ou visões contaminadas de obscurantismos.

Tudo isso talvez sirva para explicar o permanente medo da tal “ameaça comunista”, que paira o Brasil desde o começo do século 20 e foi constatada de novo, muito viva,  na pesquisa de opinião divulgada pelo instituto IPEC agora em março de pleno 2023.

Por essa investigação de opinião, 44% dos brasileiros acham que o Brasil pode ser tonar comunista, mesmo que muitos digam nem ter ideia do que seja esse tal de comunismo.

44% dos brasileiros, são bem mais de 80 milhões de pessoas.

Se consideramos que os ricos de verdade nesse país não chegam nem a 10 milhões de pessoas, gente conversadora no sentido de querer conservar tudo do jeito que está, temos uma massa imensa de gente de classe média, gente pobre e até gente muito pobre que teme o tal do comunismo, gente que  comprou a ideia da ameaça dos comunas.

Pessoas que pagam o financiamento de um apartamento de 30 m2 e acreditam que, com o maldito comunismo, vão ter que dividir o imóvel com alguém mais pobre e mais desesperado.

É evidente que o temor do comunismo vem sendo incentivado ao longo do tempo por várias narrativas e interesses como forma de controle social, de ampliar a indiferença e o descaso com o buraco brasileiro.

Desde a associação com as inegáveis falhas da experiência soviética até as fakes news bolsonaristas, dizendo que a vacina contra a covid-19 instala um chip na pessoa a fazendo virar comunista. Mas deixadas de lado as circunstâncias conjunturais, o termo comunismo no Brasil está associado sempre a tudo que de alguma forma represente a redução das nossas desigualdades sociais, econômicas e regionais.

Foi assim com o décimo terceiro salário, a reforma agrária, com os programas de transferência de renda, as cotas para negros, tudo que tente subir um pouco as pessoas do fundo do poço para um pouco mais perto da luz é considerado de comunismo no Brasil.

Não podemos esquecer que, entre 1964 e 1985 o Brasil viveu ao mesmo tempo uma truculenta ditadura de extrema direita e a Guerra Fria no mundo, alinhado com os Estados Unidos anticomunista.

Esse tempo foi de intenso fortalecimento da imagem de comunismo como depositário de todo mal e certamente os filhos e netos desse tempo ajudam a disseminar em seus grupos essa possiblidade de uma invasão comunista.

O Brasil precisa se unir em torno de nossa grande missão coletiva: diminuir a desigualdade.

Diminuir o buraco.

Esse tem que ser nosso consenso.

Se vamos fazer isso com mais capitalismo, mais liberalismo, mais economia de mercado, mais estado forte, mais socialismo ou até com doses do verdadeiro comunismo, esse é o debate necessário e inadiável.

Sem medo de fantasmas, sejam do comunismo ou do consumismo. (Foto Reprodução)

 

Glauco Lima – Publicitário, consultor e gestor de comunicação institucional, política, eleitoral.

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