Henrique Acker (correspondente internacional) – Após visita de emergência à Nova Caledônia, em 22 e 23 de maio, o Presidente francês Emmanuel Macron decidiu suspender por um mês o decreto que estendia o direito de voto aos estrangeiros residentes há dez anos no território, o que alteraria por completo as próximas eleições provinciais.
A medida causou revolta e uma série de violentos protestos por parte da população originária da colônia francesa. Macron impôs o Estado de Emergência e enviou tropas para o território. Ao recuar do decreto presidencial, Macron pretende que a situação se acalme para buscar uma solução negociada nas próximas semanas.
O governo francês também enfrenta dificuldades na região do Sahel, na África. Diversas ex-colônias francesas (Sudão, Chade, Niger, Mali, Brkina Faso) que mantinham relações econômicas e comerciais amplamente favoráveis à França e suas empresas, mudaram de mãos. Seus novos governantes estão cada vez mais próximos da Rússia, que fornece armas e tropas paramilitares para o combate a grupos jihadistas.
Colônia penal
A Nova Caledônia foi invadida pela França em setembro de 1853. Os franceses criaram ali, num arquipélago da Oceania, um campo de trabalhos forçados, para onde foram deportados prisioneiros comuns e opositores políticos. Entre eles, os revolucionários da Comuna de Paris (1871) que não foram executados, assim como os argelinos que resistiam à colonização francesa no Norte da África.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Nova Caledônia deixou de ser oficialmente considerada uma colônia e os seus habitantes (Kanaques) obtiveram a nacionalidade francesa. Em 1957, foi concedido à população originária o direito de voto.
A Nova Caledônia tornou-se o terceiro maior produtor mundial de níquel e as autoridades francesas incentivaram a colonização. O afluxo de colonos aumentou a população em 20% na primeira metade da década de 1970.
Cicatrizes
A colonização da Nova Caledônia deixou cicatrizes profundas na sociedade, marcada por décadas de opressão, desapropriação de terras indígenas e repressão brutal. Sucessivos acordos nas últimas décadas previam a realização de plebiscitos sobre a independência do arquipélago, mas a imposição do voto de franceses residentes fez com que os kanaques boicotassem e não reconhecessem o resultado dessas consultas.
Ao querer “descongelar” o eleitorado, ou seja, permitir que os franceses recém-chegados participem nas eleições na Nova Caledônia, Emmanuel Macron quer completar o processo, impedindo definitivamente que os kanaques tenham maioria nas urnas. Isto tornará uma possível autodeterminação do território impossível.
Como consequência desta política, os grupos que lutam pela independência promoveram uma verdadeira revolta popular, bloqueando ruas e estradas. Seis pessoas já morreram (dois policiais franceses e quatro civis), e mais de 300 foram presas.
Colonialismo “democrático”
A Nova Caledônia possui população estimada em 270 mil habitantes. O plano de Macron expande do direito de voto ao último grupo de colonos, cerca de 25.000 pessoas, o que aumentaria a exclusão no sistema representativo dos 40% nativos da ilha, os mais afetados pela pobreza e pela exclusão.
Desta forma, o governo francês privilegia ainda mais os colonos que se instalaram nas ilhas, atraídos pelas vantagens fiscais e a relação entre os seus elevados salários com os padrões europeus e os baixos preços do arquipélago.
O controle da Nova Caledônia é estratégico para a França. O território abriga entre 20 e 30% dos recursos mundiais de níquel, metal utilizado na fabricação de baterias para carros elétricos.
O interesse pelo metal no mercado internacional levou o governo francês a apresentar o “pacto do níquel” que introduz uma ajuda milionária à produção, mas, ao mesmo tempo, reverte um acordo de 1998, pelo qual as ilhas asseguravam a gestão do níquel. Assim, Nova Caledônia será transformada em exportadora do metal, sem o benefício do seu processamento, numa lógica puramente colonial.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/ainda-existem-colonias-ao-redor-do-mundo