A espaçonave Starship, da SpaceX, que representa a parte superior do sistema de lançamento mais potente já desenvolvido, detonou durante seu oitavo voo experimental na última quinta-feira (6), causando a suspensão do tráfego aéreo e registrando a segunda falha em sequência do veículo neste ano.
A missão sem tripulação da Starship partiu às 17h30 CT (20h30 no horário de Brasília) das instalações da SpaceX em Starbase, localizada no sul do Texas. A espaçonave estava posicionada na parte superior de um foguete Super Heavy, que tem 71 metros de altura.
Após aproximadamente 2 minutos e 30 segundos de funcionamento, o lançador Super Heavy se desengatou conforme o programado do estágio superior da Starship, posicionando-se para um pouso bem-sucedido nos braços da “Mechazilla”, a torre de lançamento da SpaceX situada nas proximidades de Brownsville, Texas. Esta é a terceira ocasião em que a SpaceX realiza com sucesso a recuperação do propulsor utilizando os braços.
No entanto, menos de 10 minutos após a decolagem, a espaçonave Starship, que prosseguia em direção ao espaço, começou a enfrentar dificuldades. Durante a transmissão ao vivo, foi possível observar que diversos motores da nave se desligaram, e ela começou a rodopiar antes que a SpaceX interrompesse a comunicação.
“Se um número suficiente de motores principais falhar, o controle de atitude será comprometido”, comentou Dan Huot, responsável pela comunicação da SpaceX, durante a transmissão ao vivo. “Foi então que observamos a espaçonave iniciar um giro, e nesse momento, perdemos a comunicação com ela.”
O sinal foi perdido em um ponto semelhante durante esta missão, assim como aconteceu no Voo 7 em janeiro, quando a Starship explodiu sobre áreas habitadas em Turks e Caicos, lançando fragmentos por toda a região.
A localização exata da explosão do veículo durante a missão na quinta-feira ainda não foi determinada. Contudo, a explosão pôde ser vista em diversas áreas da Flórida e no Caribe, conforme relatos de moradores desses lugares que foram divulgados pela Reuters.
Espaço aéreo fechado
A Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) suspendeu os voos para os aeroportos de Miami, Fort Lauderdale, Palm Beach e Orlando na noite de quinta-feira em razão da queda de “detritos espaciais“, até as 20h ET (22h no horário de Brasília).
A FAA também suspendeu provisoriamente as decolagens no Aeroporto Internacional de Fort Lauderdale/Hollywood e no Aeroporto Internacional de Miami. Na noite de quinta-feira, os voos desses aeroportos ainda apresentavam atrasos médios de 30 a 45 minutos, respectivamente.
“Estamos adotando diversas ações, como zonas de resposta a detritos, nas quais trabalhamos em estreita colaboração com o controle de tráfego aéreo”, afirmou Huot em uma transmissão ao vivo. “Existem várias medidas adotadas antes do lançamento de um foguete para assegurar a segurança do público. Elas foram eficazes da última vez e continuam operando atualmente.”
A SpaceX divulgou uma atualização com informações sobre o ocorrido várias horas depois do lançamento.
“Conforme comunicado da SpaceX, um incidente energético na seção traseira da Starship antes do término da queima de ascensão causou a falha de vários motores Raptor. Isso resultou em uma perda de controle da atitude da nave e, por fim, na interrupção das comunicações com a Starship. O último contato com ela foi registrado cerca de 9 minutos e 30 segundos após a decolagem.”
A SpaceX informou que a Starship operou dentro de um espaço de lançamento específico.
“Qualquer resíduo que tenha sobrevivido teria aterrissado na Área de Resposta a Detritos designada”, conforme afirmou o comunicado. “Os detritos não contêm substâncias tóxicas, e não se espera um impacto relevante sobre a vida marinha ou a qualidade da água. Caso você pense que viu algum resíduo, entre em contato com as autoridades locais ou com a Linha Direta de Detritos da SpaceX.”
Ao mesmo tempo, a FAA está solicitando que a SpaceX conduza uma análise de incidente relacionada à perda do veículo Starship, conforme informado em um comunicado da agência.
“Uma análise de incidente tem como objetivo aprimorar a segurança pública, identificar a causa principal do ocorrido e definir medidas corretivas para prevenir futuras ocorrências”, conforme o comunicado. “A FAA participará de todas as fases da investigação do incidente conduzida pela SpaceX e terá que aprovar o relatório final da empresa, incluindo quaisquer medidas corretivas. O retorno às operações de voo dependerá da avaliação da FAA sobre se qualquer sistema, processo ou procedimento ligado ao incidente compromete a segurança pública.”
O lançamento ocorrido na quinta-feira representou a segunda tentativa da SpaceX para executar o Voo 8. A companhia havia interrompido uma tentativa anterior na segunda-feira, citando “várias incertezas”, conforme afirmou o CEO da SpaceX, Elon Musk.
Incidente explosivo
A divulgação na quinta-feira aconteceu sete semanas depois de um evento explosivo que interrompeu de forma antecipada o sétimo teste da Starship, lançando destroços sobre as ilhas Turks e Caicos em 16 de janeiro.
A FAA, responsável pela autorização de lançamentos de foguetes comerciais, está atualmente acompanhando uma apuração sobre o ocorrido. No entanto, em 28 de fevereiro, a agência liberou a SpaceX para realizar o Voo 8. A FAA mencionou que a investigação relacionada ao Voo 7 ainda está em curso, mas concluiu que a SpaceX cumpriu todos os padrões de segurança, ambientais e demais exigências de licenciamento para o teste suborbital, conforme indicado em um comunicado.
Em uma declaração à Reuters após o acontecimento do Voo 7 em janeiro, a FAA revelou que notificou o governo das Ilhas Turcas e Caicos sobre a localização do arquipélago dentro de uma zona de risco potencial associada ao lançamento da Starship.
A agência informou que, antes da realização do voo experimental, solicitou que a SpaceX identificasse “zonas de risco adequadas para assegurar que a chance de ocorrer vítimas entre o público em terra ou em uma embarcação no mar não ultrapassasse uma em um milhão.”
“A agência declarou que nenhuma das ilhas caribenhas, incluindo Turks e Caicos, ultrapassou esse limite.“.
O sétimo teste de voo também teve uma explosão menos de 10 minutos depois de decolar.
A companhia sustenta que a origem do problema foi um escape que aconteceu na parte de trás do automóvel, próximo a um reservatório de oxigênio líquido em temperaturas extremamente baixas, utilizado como propelente para foguetes.
Apesar de não terem sido registrados danos à propriedade ou ferimentos, um carro foi impactado na ilha de South Caicos, e os destroços provocaram breves paradas nos voos, enquanto os controladores de tráfego aéreo se apressavam para desviar as aeronaves da área da explosão.
No entanto, moradores das ilhas Turks e Caicos relataram que continuam a encontrar destroços da espaçonave espalhados por suas praias e ruas. O governo da região colaborou com a SpaceX para desenvolver uma estratégia de recuperação dos resíduos. Contudo, os detalhes desse plano não foram revelados, e não está definido quem arcará com os custos da operação de limpeza.
A SpaceX e a administração de Turks e Caicos não forneceram respostas aos pedidos de comentários a respeito da proposta.
Uma página oficial do governo das Ilhas Turcas e Caicos no Instagram divulgou uma notificação ao público na quinta-feira relacionada ao incidente do Voo 8.
“Gostaríamos de comunicar ao público que o lançamento da SpaceX realizado esta noite aparenta ter se desfeito durante o voo”, relatava a notificação. “Estamos em comunicação com a FAA dos Estados Unidos, a SpaceX e as autoridades do Reino Unido para verificar a situação. Os procedimentos pós-incidentais foram ativados. O Escritório de Segurança Nacional manterá a população atualizada enquanto nos empenhamos para assegurar a segurança de nossas Ilhas.”
Incidentes diferentes
A SpaceX há bastante tempo utiliza uma abordagem de engenharia e desenvolvimento conhecida como “rápido desenvolvimento iterativo”. O intuito tem sido criar protótipos da Starship de forma ágil e disponibilizá-los para testes no lançamento, até mesmo aceitando a possibilidade de explodi-los.
A principal diferença entre a missão final da Starship em janeiro e o voo de quinta-feira está relacionada ao local e à forma como os destroços caíram.
Embora o voo de teste inicial da Starship e do Super Heavy tenha destruído uma plataforma de lançamento na SpaceX Starbase em 2023, os voos realizados em 7 de janeiro e na quinta-feira anterior possibilitaram que a Starship cruzasse o Atlântico e o Caribe antes de explodir próximo a áreas habitadas.
O evento ocorrido na quinta-feira suscita dúvidas sobre a decisão da FAA de permitir o lançamento da Starship antes da finalização da investigação da agência relacionada ao incidente do Voo 7. Também traz à tona a discussão sobre a viabilidade de foguetes experimentais operarem sobre regiões habitadas.
Série de melhorias
O teste aéreo realizado na quinta-feira visava avaliar a Starship em seus limites máximos, permitindo que as equipes de missão detectassem possíveis falhas. Para isso, os engenheiros retiraram diversas placas de proteção térmica da nave espacial, a fim de examinar as zonas mais suscetíveis. Essas placas hexagonais, de cor preta, são concebidas para proteger a espaçonave em temperaturas que ultrapassam 1.427ºC durante a reentrada na atmosfera terrestre.
O teste de voo que não obteve sucesso em janeiro resultou em melhorias e ajustes por parte da SpaceX, que incluiu a implementação de novas aberturas e um “sistema de purgação” com a intenção de prevenir incêndios, conforme informado pela empresa.
A SpaceX comunicou que as lições obtidas pelas equipes de missão a partir do incidente no Voo 7 resultaram em alterações nas linhas que transportam combustível para certos motores da Starship, além de modificações nas temperaturas do propelente. Outra alteração contemplou o “alvo de empuxo operacional” do veículo, ou seja, quanto poder a SpaceX espera que os motores produzem durante o voo.
Nesse intermédio, o propulsor Super Heavy passou por diversas atualizações, entre elas, a implementação de um computador de voo mais robusto.
Aproximadamente 17 minutos e 30 segundos após a decolagem, a Starship tinha a intenção de realizar a inserção de um grupo de satélites de demonstração da Starlink pela primeira vez. Assim como a espaçonave, os satélites de demonstração não tinham a meta de alcançar a órbita. No entanto, assim como no sétimo teste de voo, os objetivos do Voo 8 não foram avaliados antes que o incidente acontecesse.