Na gestão Lira, Câmara Federal reduz sessões e atropela colegiados

Na fase final da administração de Arthur Lira, os parlamentares intensificam as votações na câmara, enquanto enfrentam obstáculos no Senado, que segue com um andamento semelhante ao de anos passados.

 

Uma pesquisa conduzida pela jornalista Camila Turtelli, do jornal O Globo, mostra que, em um ano de eleições e na saída de Arthur Lira (PP-AL) como responsável pelas votações na Câmara, os parlamentares adotaram um ritmo intenso e aprovaram um número histórico de propostas durante as sessões plenárias.

Informações coletadas pelo periódico da família Marinho, no entanto, apontam para uma diminuição nas reuniões destinadas à avaliação das propostas, resultado das restrições ao debate legislativo. Segundo os deputados, a situação se torna ainda mais complicada devido ao debilitamento e à falta de recursos das comissões temáticas, que deveriam ser os locais para discussões mais aprofundadas sobre os temas.

Essa situação se opõe ao desempenho da Casa revisora, o Senado, que apresentou índices de produtividade semelhantes aos de anos anteriores, segundo a análise divulgada pelo portal Opinião em Pauta.

Conforme as informações obtidas, em várias oportunidades, senadores não aceitaram discutir propostas apresentadas pelos deputados em cima da hora. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), manifestou sua insatisfação em determinados momentos em relação a parte da agenda, resultando no arquivamento de várias propostas.

A pesquisa contabilizou a aprovação, em sessão, de Projetos de Lei (PL) e Propostas de Emenda à Constituição (PECs), os principais meios utilizados pelos legisladores para criar leis. Iniciativas como Projetos de Lei Complementar (PLP) e Medidas Provisórias (MP) não foram incluídas na análise, uma vez que os dados referentes a essas propostas apresentam inconsistências entre os relatórios da Câmara e do Senado, além de uma estrutura organizacional diferente.

Uma das razões mencionadas por parlamentares e especialistas para o aumento de aprovações em um menor número de reuniões é a alteração realizada nas normas internas da Câmara, como a diminuição do chamado “kit obstrução em 2021, que restringiu os recursos utilizados para procrastinar ou dificultar o andamento das propostas.

Apesar da intensa atividade produtiva, a Câmara registrou a menor quantidade de sessões deliberativas em plenário desde 2006, ano em que ocorreram 76 sessões, conforme informações da Secretaria Geral da Mesa. Até 20 de dezembro deste ano, foram contabilizadas 85 sessões, enquanto no ano anterior o total foi de 113.

No Senado, ocorreram 89 sessões, número semelhante aos 90 do ano anterior, porém superior às 64 registradas em 2022, que foi um ano de eleição presidencial.

Nos últimos anos, o Senado não sofreu alterações em seu regimento. Um desentendimento entre os presidentes Lira e Pacheco também impediu o progresso de iniciativas entre as duas Casas legislativas. Durante seus quatro anos de mandatos consecutivos, os parlamentares enfrentaram desavenças e até ficaram longos períodos sem se comunicar.

Neste cenário confuso, diversos projetos não progrediram, incluindo o novo Código Eleitoral, que recebeu aprovação da Câmara em 2021, mas está paralisado no Senado. Em novembro deste ano, o Senado autorizou a regulação da Inteligência Artificial, contudo, os deputados demonstraram que pretendem validar um novo texto.

As comissões mistas encarregadas de revisar as medidas provisórias apresentadas pelo governo foram quase inexistentes. Esses grupos não realizaram atividades durante a pandemia e, em 2023, ao serem esperadas para voltar a atuar, Lira, desconsiderando Pacheco, propôs a ampliação da quantidade de deputados, o que gerou uma crise e paralisou as atividades.

Na busca por agilizar as votações no plenário em 2024, Lira decidiu, no dia 12 de dezembro, interromper todas as reuniões e discussões sobre projetos nas comissões temáticas da Casa até o dia 20. Essa medida foi tomada para focar na aprovação de assuntos ligados à segurança pública e questões econômicas, incluindo a reforma tributária.

Veja o que disse o deputado Chico Alencar, consultado por  Camila Turtelli:

 

Uma decisão dessa natureza não condiz com as boas práticas do Parlamento e nos surpreende a todos — declarou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) durante a sessão.

 

A avaliação negativa também é direcionada por legisladores de diversas vertentes políticas.

 

— As comissões foram abordadas sem o suporte necessário da Casa, resultando em uma produtividade reduzida declarou o deputado José Rocha (União-BA), que é o presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.

Em contato com o jornal O Globo, Lira não fez comentários sobre a velocidade das aprovações e a redução dos debates nas comissões e no plenário. No dia 12, a Câmara, por exemplo, deu o aval a um projeto que autoriza juízes a impor a pessoas inimputáveis penas de 20 anos de internação, sem que o texto tenha passado pelas comissões específicas.

 

— Esta Casa não discute nas comissões e propostas dessa natureza são apresentadas em caráter de urgência — declarou a deputada Ana Paula Lima (PT-SC), ouvida pela jornalista, durante a votação do projeto.

 

Neste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, uma das mais importantes, iniciou suas reuniões somente em março. Ao todo, ocorreram 679 encontros das comissões em 2024, número inferior aos 967 do ano anterior, mas superior aos 556 de 2022.

A escassa realização de reuniões deliberativas nas comissões é uma tendência que notamos ao longo do ano, evidenciando a centralização do processo legislativo nas discussões em plenário. Essa situação traz impactos negativos, uma vez que prejudica a atuação dos parlamentares em temas mais específicos e reduz a relevância da análise final, destaca a cientista política Graziella Testa, docente da Fundação Getulio Vargas (FGV).

No mesmo ano, 2024 se destacou como o período em que a Câmara aprovou o maior número de pedidos de urgência, um recurso que acelera o processo legislativo e possibilita a votação imediata no plenário. Ao todo, 215 requerimentos foram aceitos, marcando o recorde mais alto desde 2001.

O recurso foi empregado pelo líder da Câmara para influenciar ou sinalizar tanto ao governo quanto à oposição.

 

— A pressa prejudicou e restringiu a atuação das comissões temáticas, que são responsáveis pelo aprofundamento técnico dos assuntosdeclarou à repórter o deputado Danilo Forte (União-CE).

 

(Foto: O Globo)

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