Henrique Acker (correspondente internacional) – A humanidade caminha para uma terceira guerra mundial? O que justifica o clima de tensão cada vez maior entre a OTAN e o bloco China-Rússia? A guerra da Ucrânia e o cerco a Gaza podem ser estopins de um confronto internacional? Até que ponto as iniciativas e ameaças da Rússia e da OTAN podem criar condições para um conflito nuclear? Qual o poder da ONU para mediar um acordo entre os lados em disputa?
Todas essas perguntas merecem análises rigorosas para que se possa entender o panorama geopolítico que se formou a partir do início do século XXI. Algumas evidências apontam para um clima de acirramento perigoso das tensões internacionais. Em seu relatório de 2024, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), alerta para os perigos da proliferação de armas nucleares.
Capital sem pátria e sem paradeiro
O avanço das novas tecnologias trouxe grandes mudanças e novas expectativas para a humanidade no século XXI. Ferramentas virtuais aceleraram a produção econômica, mas também tornaram as transações comerciais no elemento determinante para a internacionalização do capital.
Com as principais bolsas de valores e paraísos fiscais em operação 24 horas por dia, a volatilidade do sistema é total. Estima-se que cerca de 36 bilhões de dólares – ou um quinto da liquidez global – estejam em paraísos fiscais ilícitos, sem supervisão ou regulamentação.
A afirmação da China como o novo grande mercado consumidor e produtor de mercadorias ocorre ao mesmo tempo em que a especulação financeira paira sobre os Estados e gera a multiplicação de lucros, sem a necessária base de uma economia real no Ocidente. O resultado é que o Mundo de hoje depende da China praticamente para tudo.
Dependência asiática
Em outubro de 2023, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) publicou relatório anual, no qual alertou que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial continua diminuindo. Após uma modesta recuperação pós-pandemia de 6,1% em 2021, o crescimento econômico em 2023 caiu para 2,4%, abaixo dos níveis pré-pandemia, e prevê-se que permaneça em 2,5% em 2024.
A Unctad prevê que apenas cinco dos países entre as 20 maiores economias registrarão melhores taxas de crescimento em 2024: Brasil, China, Japão, México e Rússia. Para o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social mais do que uma recessão “a crise prolongada e profunda que vivemos hoje é (…) uma grande depressão”.
As Perspectivas Econômicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicadas em novembro de 2023, são coincidentes com a avaliação da Unctad, sugerindo que “o crescimento global continua altamente dependente das economias asiáticas em rápido crescimento”. Nos próximos dois anos, a OCDE estima que esse crescimento econômico se concentrará na Índia, na China e na Indonésia, que representam quase 40% da população mundial.
Cresce a tensão entre dois blocos
A invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, foi o estopim militar de um confronto econômico entre dois grandes blocos que disputam a hegemonia mundial. De um lado os EUA e seus aliados da União Europeia, predomina a lógica do capital financeiro-especulativo; do outro a China, que pretende avançar ainda mais com sua Nova Rota da Seda, para facilitar e ampliar o escoamento de seus produtos, tendo a Rússia como aliado e beneficiário de seus planos de expansão.
A recente ameaça de Emmanuel Macron em enviar tropas e técnicos franceses para a Ucrânia foi reforçada pela aprovação do uso de armas de maior alcance (mísseis) da OTAN sobre o território russo, com o apoio da Alemanha e dos EUA.
O secretário-geral da aliança militar ocidental, o norueguês Jens Stoltenberg, afirmou dias atrás ao jornal britânico The Telegraph que o grupo está discutindo a retirada de parte de seu arsenal nuclear de depósitos, colocando as ogivas em prontidão para uso imediato.
Guerra de ameaças
Recentemente, Vladimir Putin responsabilizou a Ucrânia pela intensificação das operações militares russas na fronteira nordeste do país. “Em relação ao que está a acontecer à volta de Kharkiv, a culpa também é deles”, acusou Putin, argumentando que as tropas de Kiev “têm bombardeado e, infelizmente, continuam a atacar bairros residenciais nas áreas fronteiriças, incluindo Belgorod”.
Em resposta à tentativa de controlar e limitar a navegação internacional nas águas do Oceano Pacífico, através da aliança militar dos EUA com a Inglaterra, a Austrália (AUKUS), Putin realiza viagem à Coréia do Norte e Vietnã. Ali também cresceram as provocações e ameaças militares entre a China e Taiwan.
A 26 de maio, a Rússia iniciou exercícios militares com armas nucleares táticas em resposta a “ameaças do Ocidente”, de acordo com o comando militar russo. Putin já anunciou que deve reforçar a vigilância na fronteira de seu país com a Finlândia, recentemente admitida pela OTAN.
Desmoralização da ONU
O fim da União Soviética e do bloco de países do chamado “socialismo real”, nos anos 90, não só reforçou o papel hegemônico dos EUA como superpotência militar, num Mundo unipolar, como enfraqueceu o papel de mediador de conflitos da ONU.
A partir dali, os EUA e seus aliados europeus voltaram a provocar e participar diretamente de conflitos em diversos pontos do Planeta (Guerra do Golfo Pérsico, invasão do Iraque e do Afeganistão, participação direta no conflito da Líbia, etc).
A postura de desrespeito à ONU e de apelar à força militar para dirimir conflitos voltou a estimular a produção de armamentos e dificultou o esforço para o desmonte dos arsenais nucleares. Para além da guerra da Ucrânia e do genocídio em Gaza, os conflitos armados estiveram ativos em outros 50 países no ano de 2023.
Alerta nuclear
Os nove estados com armas nucleares – os Estados Unidos, a Rússia, o Reino Unido, a França, a China, a Índia, o Paquistão, a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) e Israel – continuaram a modernizar os seus arsenais nucleares e vários implantaram novas armas nucleares ou sistemas de armas com capacidade nuclear em 2023.
“Não vimos armas nucleares desempenharem um papel tão proeminente nas relações internacionais desde a Guerra Fria”, disse Wilfred Wan, Diretor do Programa de Armas de Destruição em Massa do SIPRI.
As principais conclusões do Anuário SIPRI 2024 são que o número e os tipos de armas nucleares em desenvolvimento aumentaram a medida que os estados aprofundam a sua confiança na dissuasão nuclear. Rússia e EUA possuem, juntos, cerca de 90 por cento de todas as armas nucleares.
“Estamos agora num dos períodos mais perigosos da história da humanidade”, alerta Dan Smith, Diretor do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI). “Existem inúmeras fontes de instabilidade – rivalidades políticas, desigualdades econômicas, perturbações ecológicas, uma corrida armamentista acelerada. O abismo está acenando e é hora das grandes potências darem um passo atrás e refletirem”. (Foto: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
Instituto Tricontinental: AQUI
Zona de exclusão na Ucrânia: AQUI
Armas nucleares táticas: AQUI
OTAN pode colocar armas nucleares de prontidão: AQUI
Relatório SIPRI 2024: AQUI e AQUI
Resposta russa à OTAN: AQUI