Mulheres indígenas marcham contra violência e por demarcação de terras

Mobilização atraiu cerca de 5 mil participantes à capital

 

O Eixo Monumental de Brasília, na Esplanada dos Ministérios, foi tomado na manhã desta quarta-feira (13) por cerca de 5 mil indígenas  de diversas partes do Brasil e do mundo, que participam da 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. Sob o calor do sol forte (27°C) e da baixa umidade relativa do ar (40%) que marcam a capital federal nesta época do ano, as indígenas caminharam do Eixo Cultural Ibero-Americano (antiga Funarte) até o Congresso Nacional, um percurso de quatro quilômetros (km), pela preservação da biodiversidade e proteção dos direitos dos povos originários, além da defesa de pautas por igualdade de gênero, de preservação da cultura e da demarcação de territórios tradicionais.

“É hora de dizer que nossas dores afetam a toda a humanidade”, conclamou do alto do carro de som Lucimara Patté, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e uma das organizadoras do evento. “Nossa luta não protege somente o clima, a floresta e as riquezas naturais, ela protege o nosso modo vida. Quando lutamos pela mata atlântica, caatinga, pampa, cerrado, pantanal e Amazônia, lutamos pela vida dos povos indígenas que vivem e dependem desses biomas, para manterem suas culturas e tradições. Esses biomas são nossas farmácias naturais, é de onde tiramos nossas ervas medicinais, o nosso alimento tradicional e as matérias para produção de nossos artesanatos”, destacou.

À medida que o grupo avançava, ocupando três das seis faixas de tráfego do Eixo Monumental, mais participantes iam se somando à manifestação. Incluindo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que exaltou a marcha na abertura do ato. “Agora a marcha é na rua”, festejou a ministra. “Somos mulheres de todas as regiões do Brasil, de todos os biomas e de diversos continentes, em marcha pelas ruas de Brasília”, comentou a ministra, aludindo à participação de representantes de movimentos sociais de outros países, como Peru, Estados Unidos, Malásia, entre outros.

“Estamos num estado de emergência, e não tem mais como negar essa emergência climática. Não há mais espaço para negacionismo. E nós, povos indígenas, nós, mulheres indígenas, embora sejamos as maiores guardiãs da mãe terra, somos as primeiras e as mais impactadas. Nós somos as primeiras afetadas pelas mudanças climáticas”, alertou. “Hoje, o chamado também é para que a gente se organize para a próxima eleição, para elegermos mais mulheres indígenas parlamentares. Já vimos que faz muita diferença”, acrescentou a ministra. Além de Guajajara, o ato contou com a presença da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, das deputadas federais Célia Xakriabá (Psol-MG), Juliana Cardoso (PT-SP) e Erika Kokay (PT-DF), e da presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.

Portando faixas, cartazes, maracas, apitos e usando adereços e pinturas corporais indígenas, as mulheres entoavam cantos tradicionais e palavras de ordem, principalmente contra o Marco Temporal. A tese restringe as demarcações das terras indígenas àquelas ocupadas em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal. A proposta é criticada por lideranças indígenas e ambientalistas — pois afirmam que além de dificultar o processo demarcatório, essa medida libera a exploração econômica dos territórios. No STF, o placar está 4 a 2 contra a proposta. O julgamento na Corte será retomado no dia 20 de setembro.

 

Marcha das mulheres indígenas reúne cerca de 5 mil participantes na Esplanada dos Ministérios. Essa é a terceira edição do movimento, após duas edições marcadas por perseguição, falta de apoio e ameaças durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: ©Leo Otero / Cobertura Colaborativa)

 

Este ano, o tema é “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade através das raízes ancestrais”. Esta é a terceira edição do evento, após duas edições marcadas por perseguição, falta de apoio e ameaças durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Neste ano, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), “as mulheres ligadas à terra, à água, aos biomas, à espiritualidade, às árvores, às raízes e às sementes” contam com o respaldo do governo federal, afirma a organização. Também, pela primeira vez, existe na estrutura do Estado um ministério dedicado aos Povos Indígenas e o Parlamento conta com a “Bancada do Cocar”. “A bancada do Cocar não é algo simbólico, mas significativo e está mergulhada de corpo e alma na luta pelo respeito aos direitos dos povos originários”, disse a deputada petista Juliana Cardoso, de origem indígena.

Ainda na concentração, antes da marcha até o Congresso a ministra Cida Gonçalves destacou a importância da mobilização. “As reivindicações da 3ª Marcha das Mulheres Indígenas buscam a consolidação e o fortalecimento da presença de mulheres indígenas em diferentes espaços de representatividade. Então, temas como o enfrentamento à violência de gênero e à violência política, emergências climáticas, acesso à educação e saúde, demarcação de terras, entre outros, estão entre as pautas que estamos debatendo”.

Através de uma nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai) celebrou as mulheres indígenas em Brasília. O órgão passa por reconstrução após sucateamento e aparelhamento bolsonarista em benefício de madeireiras, garimpo ilegal, entre outros que atacam direitos dos povos originários. “O objetivo é conectar e reconectar a potencialidade das vozes das ancestralidades que são as sementes da terra, que compõem a rede ANMIGA, fortalecer a atuação das mulheres indígenas, debater os desafios e propor novos diálogos de incidência na política indígena do Brasil”, declarou.

A ANMIGA também divulgou uma carta aberta sobre o evento. O Manifesto das Primeiras Brasileiras. “As originárias da terra: a mãe do Brasil é indígena”. Nele, as indígenas afirmam que “estamos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social. Por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde, pela educação, para conter as mudanças climáticas e pela cura da Terra. Nossas vozes já romperam silêncios imputados a nós desde a invasão do nosso território”, afirmam.

Participantes

“A nossa organização precisa, cada dia mais, ser fortalecida. Nós só conseguiremos fazer com que as políticas públicas cheguem nos nossos territórios se a gente continuar unidas, batalhando para que essas políticas cheguem. Nós precisamos nos unir cada dia mais, respeitando a diversidade de nosso país”, afirmou Juliana Alves, que é Cacika Irê do Povo Jenipapo-Kanindé, participante da marcha, que também é secretária dos Povos Indígenas do Ceará.

Para Creusa Potiguara, que participa de manifestações em defesa dos direitos dos povos originários há quase 60 anos, a luta tem que ser constante. “Participo da luta há 58 anos. Não é de hoje”, destaca, completando que mora em uma aldeia que vive da pesca, que ainda não invadida. “Queremos resolver nossos problemas. A luta é difícil, mas sei que nossa vitória vai ser maior ainda”, acrescentou.

Ainda nesta quarta-feira, último dia da marcha, haverá um debate com a participação de ministras de Estado e um show de encerramento, às 18h, com apresentação de artistas indígenas e convidadas.

Homenagem

Uma sessão solene no Plenário da Câmara dos Deputados marcou o início das celebrações em homenagem à Marcha das Mulheres Indígenas na noite de segunda-feira (11). A sessão contou com resistência de bolsonaristas contrários à sua realização. Contudo, a base do governo garantiu a realização. A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, enfatizou o propósito da marcha. “Estamos aqui para reverter todo o mal que foi feito, para contribuir para a reconstrução do nosso País.” Então, ela ressaltou o potencial das mulheres indígenas em oferecer soluções para os desafios enfrentados pelo Brasil e celebrou a presença delas no Plenário da Câmara.

“Apesar de serem parte integral da sociedade brasileira, as mulheres indígenas têm estado sub-representadas em espaços de poder e tomada de decisões. Agora, sob o governo de Lula, fomos chamadas para assumir corresponsabilidades”, destacou Wapichana. A líder indígena também fez um apelo por investimentos e oportunidades que permitam que as mulheres indígenas levem adiante suas ideias e projetos. Ela ressaltou a importância do apoio ao orçamento da Funai, que inclui recursos destinados à demarcação de terras indígenas e iniciativas para combater a violência contra as mulheres indígenas.

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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