A fuga, na madrugada desta quarta-feira (14), de dois criminosos de alta periculosidade da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte — fato inédito na história dos presídios federais — levanta uma série de questões sobre a eficiência da unidade, que deveria ser uma das mais seguras do país, e já recebeu Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP e os assassinos de Marielle Franco. Rogério da Silva Mendonça, de 36 anos, e Deibson Cabral Nascimento, de 33, ambos envolvidos em guerras sangrentas de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas no Acre, agora são procurados por uma força-tarefa formada por agentes da Polícia Federal com apoio das polícias do RN.
Os detentos fugiram do presídio de segurança máxima por volta das 3h da madrugada. Eles teriam escalado até o teto através de uma lâmpada, e em seguida teriam cortado uma cerca. A Polícia Federal e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), no entanto, ainda não divulgaram maiores detalhes sobre a dinâmica.
A PF investiga se houve facilitação na fuga e sabe-se que uma obra que vinha sendo realizada no presídio pode ter contribuído, também, para a empreitada da dupla. Para o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, José Vicente, é evidente que houve uma falha humana.
— A fuga num sistema penitenciário de segurança máxima como esse suscita uma preocupação muito grande. Houve falha óbvia de procedimento, de atuação das pessoas. O gerenciamento da unidade é o que está em questão — opina. — Como em todo lugar, há os procedimentos estabelecidos para o trabalho de segurança e checagem permanente dos ritos de segurança, e houve falha humana. Esse é sempre um ponto crítico em relação a esse tipo de ocorrência.
Para Vicente, é importante que a PF consiga elucidar o que aconteceu, para evitar que episódios como esse voltem a acontecer.
— É importante, naturalmente, que se faça toda uma investigação, não só para verificar as culpas, mas também para prender os criminosos que fugiram. Mas principalmente para que se apure os procedimentos que falharam. Essas falhas são importantes de serem estudadas, para que sirvam de correção, não só para Mossoró, mas para as outras unidades federais.
Em sua opinião, alguns métodos também podem ser revistos.
— É importante ressaltar, também, que o sistema de segurança máxima dos presídios federais são um pouco menos severos que o sistema de segurança do regime disciplinar diferenciado de São Paulo, que foi modelo para construção e elaboração dos presídios federais. Nesse regime, não há banho de sol coletivo ou em pequenos grupos, por exemplo, como acontece nos presídio federais.
A Senappen afirma em nota que o secretário André Garcia foi a Mossoró para investigar os fatos e apurar as responsabilidades do ocorrido. “A Polícia Federal foi acionada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e está tomando todas as providências necessárias para a recaptura dos foragidos e a apuração das circunstâncias da fuga”. Garcia desembarcou por volta das 19h no RN.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública e da Defesa Social do Rio Grande do Norte afirmou que, junto à Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, “recebeu solicitação e está dando todo apoio possível ao Sistema Prisional Federal, inclusive com o emprego de patrulhamento aéreo, por meio do helicóptero Potiguar 02, que já decolou com destino a Mossoró”.
Acrescentou ainda que “o governo estadual já fez contato com as secretarias de Segurança Pública da Paraíba e do Ceará para a realização de ações integradas de reforço policial nas divisas entre os estados”. Segundo o estado, não há registro de fugas em unidades prisionais potiguares desde 2021.
Foragidos têm nomes incluídos na Interpol
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski acionou a Delegacia-Geral da PF, em Brasília, e ordenou o envio de agentes e peritos federais ao estado, para que ajudem na investigação do caso e na recaptura. Segundo a pasta, o ministro:
Determinou a ida do secretário Nacional de Políticas Penais, André Garcia, a Mossoró, acompanhado de uma equipe de seis servidores, para a apuração presencial dos fatos e a tomada das ações cabíveis no âmbito administrativo.
Acionou a Direção-Geral da Polícia Federal para abertura de investigações e o deslocamento de uma equipe de peritos ao local, com objetivo de apurar responsabilidades e de atuar na recaptura dos dois fugitivos, ação que já conta com o engajamento de mais de 100 agentes federais.
Ordenou a mobilização das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficco), que congregam as polícias federais e estaduais nas ações de repressão da criminalidade organizada, para colaborarem com os esforços de localização e prisão dos foragidos.
Instruiu a Polícia Federal (PF) para que efetuasse o registro dos nomes dos fugitivos no Sistema de Difusão Laranja da Interpol, bem como a sua inclusão no Sistema de Proteção de Fronteiras, para que sejam procurados pela comunidade policial internacional;
Mobilizou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para que realize o monitoramento das rodovias sob sua jurisdição e dê suporte à recaptura dos presos.
Mandou que fosse realizada uma imediata e abrangente revisão de todos os equipamentos e protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais.
Os presos
Ambos são do Acre e estavam na Penitenciária Federal de Mossoró desde 27 de setembro de 2023, conforme divulgado na época pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esta é a primeira fuga registrada na história do sistema penitenciário federal, que conta com cinco presídios de segurança máxima.
No ano passado, a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Acre divulgou que Rogério e Deibson estavam entre os presos que participaram da rebelião ocorrida em julho de 2023 no presídio de segurança máxima Antônio Amaro Alves. Durante a ação, cinco detentos foram executados de com requintes de crueldade, com decapitações e esquartejamentos.
Deibson estava preso desde agosto de 2015, já tendo passado também pelo presídio federal de Catanduva (PR). Ele tem condenações e responde por assaltos, furtos, roubos homicídio e latrocínio.
Rogério, que também tem vasta ficha criminal, também cumpria pena no Acre, quando foi determinada sua transferência para o Rio Grande do Norte. Ambos são apontados como membros de organização criminosa e cumpririam pena de dois anos, até 25 de setembro de 2025.
Inaugurada em 2009, o presídio federal de Mossoró é o único que fica no Nordeste. Com 13 mil metros quadrados, abriga mais de 200 detentos e não tinha registro de fuga.
Beira-Mar e Marcinho VP
A Penitenciária Federal de Mossoró é conhecida por receber líderes de facções criminosas de diferentes estados. Entre os nomes com passagens pela unidade estão o traficante Fernandinho Beira-Mar, que foi transferido para o presídio em janeiro deste ano, e Marcinho VP, que atualmente está Penitenciária Federal de Campo Grande, mas passou anos na unidade do Rio Grande do Norte.
Outro criminoso na unidade é “Jamilzinho”, “Bob” ou “Guri”, alcunhas de Jamil Name Filho, apontado como o chefe de milícia armada ligada ao jogo do bicho no Mato Grosso do Sul. Ele foi preso acusado de encomendar a morte de um homem por R$ 120 mil, como vingança após uma traição nos negócios. Os executores, no entanto, teriam errado e matado o filho do suposto alvo.
Caso Marielle
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de terem participado do assassinato da vereadora Mairelle Franco, também ficaram presos no presídio federal de Mossoró. A mudança para uma unidade penitenciária fora do Rio de Janeiro, onde eles ficaram em um primeiro momento, foi pedida pelo Ministério Público do Rio, e aceita pela Justiça, que alegava motivo de “segurança pública” .
Outro nome que esteve preso na unidade foi Orlando Curicica. O ex-policial militar, que seria chefe de uma milícia na Zona Oeste, foi transferido para o presídio quando surgiram suspeitas de seu envolvimento também na morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, hipótese que depois foi descartada pelos investigadores.
Considerada uma referência na custódia dos presos, a Penitenciária Federal de Mossoró foi inaugurada em 3 de julho de 2009. A unidade de segurança máxima foi projetada para receber até 208 presos. O presídio é uma reprodução do modelo de unidades de segurança máxima norte-americanas, conhecidas como “Supermax”, conforme descrição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (Foto: Ministério da Justiça/ Reprodução)