Morre o escritor Nêgo Bispo, um dos maiores intelectuais quilombolas do país

Filósofo, poeta, escritor, professor e ativista político, Nêgo Bispo traduzia nos livros o olhar de quem nasceu em um quilombo sobre os modos de habitar e se relacionar com a terra. Ele faleceu no Piauí, aos 63 anos

 

Morreu neste domingo (3), vítima de uma parada cardíaca em decorrência de complicações provocadas por diabetes, o pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo. Autodenominado “lavrador de palavras”, o filósofo traduzia nos livros o olhar de quem nasceu em um quilombo sobre os modos de habitar e se relacionar com a terra. Bispo passou mal durante à tarde e foi levado ao Hospital Estadual Teresinha Nunes de Barros, localizado na cidade de São João do Piauí, a 450 km da capital Teresinha. Lá, teve uma convulsão seguida por duas paradas cardíacas e não resistiu.

Nascido na comunidade Saco do Curtume, no Piauí, Bispo ganhou notoriedade em movimentos sociais, na década de 1990, quando chegou a se filiar a partidos políticos, que abandonou anos depois. Desde então, se voltou para a defesa dos povos quilombolas. Ele atuou em organizações como a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e em movimentos sociais do Piauí. Nêgo Bispo fazia uma comparação entre o modo de vida dos quilombos e o da sociedade nacional em seu novo livro “A terra dá, a terra quer” (Ubu/Piseagrama, 2023), no qual também propõe um novo modo de viver, a contracolonização, em resposta a problemas atuais ligados à ecologia, ao clima, ao trabalho e à alimentação.

“Colonizar um povo é como adestrar um boi. Ambas ações consistem na remoção da identidade, mudança de território e condenação do modo de vida alheio”. Essa é a associação que Antônio Bispo dos Santos faz em “A Terra Dá, a Terra Quer”. Lançado em maio pela Ubu, o livro desmancha conceitos como ecologia, desenvolvimento e decolonialidade – a contraposição ao pensamento de perspectiva colonialista e eurocêntrica. Bispo propunha o que chamava de contracolonialismo, que seria a recusa de um povo à colonização, o que, segundo ele, é praticado há séculos por africanos, indígenas e quilombolas.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o pensador chegou a dizer que não via diferença entre a esquerda e a direita na relação com os quilombolas.”A direita e a esquerda são maquinistas que dirigem o mesmo trem colonialista. Escolher o vagão permite decidir os passageiros com quem você vai viajar. Mas a viagem é a mesma, vai para o mesmo caminho”, disse.

Repercussões

A CONAQ declarou que a contribuição dele será lembrada e reverenciada por gerações. “Sua contribuição inestimável para a compreensão e preservação da cultura e identidade quilombola será lembrada e reverenciada por gerações.”

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Weelington Dias, ex-governador do Piauí, disse que o movimento quilombola, o Piauí e o Brasil perdeu “uma voz que ecoou em nossos corações e nos ensinou muito”.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, também lamentou a morte de Nêgo Bispo: “Um importante pensador brasileiro e ativista quilombola”, e que deixará “um legado inesquecível para a cultura nacional”.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também se pronunciou sobre a morte de Bispo. “Eu vou falar de nós ganhando, por que pra falar de nós perdendo eles já falam. Um dos maiores pensadores da nossa época ancestralizou. Nego Bispo fez a passagem e deixou aqui um legado enorme para o pensamento negro brasileiro. Um abraço a toda sua família e amigos”.

Quem é Nêgo Bispo

Nêgo Bispo, nasceu em 10 de dezembro de 1959 no então povoado Papagaio, atualmente município de Francinópolis. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Francinópolis e diretor da Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Estado do Piauí (Fetag). É reconhecido como um dos principais pensadores do tema comunidades tradicionais do Brasil. Escreveu os livros “Quilombo, Modos e Significados” e “Colonização Quilombos: Modos e Significados”, além de vários outros artigos, também dirigiu o filme-documentário “O Jucá da Volta”, em parceria com o IPHAN.

(Foto: Divulgação)

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