Moraes devassou dia a dia do gabinete de Bolsonaro com quebras de sigilo

Formidável – e, certamente, cansativo -, trabalho dos jornalistas  Fabio Serapião e Ranier Brago, da FolhaPress, permite ao brasileiro entender a extensão das decisões pontuais de um ministro do Supremo Tribunal Federal, no epicentro de investigações de autoridades autoras de atos ilegais.

Os dois jornalistas assinam reportagem, publicada nesta terça-feira, 16, revelando o rebuliço vivido atualmente por aqueles que compunham o gabinete do ex-presidente Jair Bolsonaro, suspeitos da prática do desvio de funções, todos investigados pelo ministro Alexandre de Moraes.

Leiam, a seguir, a matéria de Serapião e Ranier:

 

Documentos da investigação que mira Jair Bolsonaro (PL), familiares e seus ex-assessores mostram que uma série de quebras de sigilo determinadas por Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), expôs a rotina e detalhes do gabinete presidencial.

Uma quebra ordenada ainda em 2021 permitiu à Polícia Federal acessar a nuvem em que eram armazenadas todas as conversas do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente.

As mensagens, às quais a Folha de S.Paulo teve acesso em parte, mostram detalhes da rotina da Presidência e diálogos entre assessores abordando desde assuntos corriqueiros, como escalas de horário de servidores e desavenças entre colegas de trabalho, até temas como considerações sobre a possível demissão de Paulo Guedes (Economia) pela escalada no preço do diesel em 2021.

A partir de acesso às conversas de Mauro Cid, a PF teve ao menos outras cinco autorizações de Moraes para quebra de sigilos bancário, telemático e fiscal de pelo menos 13 pessoas e de uma empresa –incluindo três assessores de Bolsonaro e duas assessoras da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

No período, a corporação apontou indícios de crimes, mas disse ainda haver dúvida e até o momento não chegou a nenhuma conclusão, mesmo com conversas e contas abertas.

Na parte dos dados bancários, Moraes chegou a autorizar em alguns casos o acesso a informações de 2018, período anterior ao governo Bolsonaro –encerrado em dezembro de 2022.

A série de quebras ao longo de 2022 alimentaram a PF em ao menos três linhas de investigação que miram Bolsonaro e seus principais apoiadores.

A primeira é sobre um suposto esquema de desvio de dinheiro da Presidência por meio de Mauro Cid e outros funcionários do Planalto a pedido de Michelle Bolsonaro.

Já a segunda mira a participação do ex-ajudante de ordens da Presidência e outros aliados nas investidas golpistas de Bolsonaro, do 7 de setembro de 2021 ao 8 de janeiro de 2023.

Por fim, o conteúdo das mensagens serviu como indício para embasar a busca e apreensão contra o ex-mandatário, além de várias prisões, pela suspeita de fraude ao sistema de vacinação do Ministério da Saúde.

Foram presos Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis (ex-ajudante de ordens e ex-assessor, respectivamente), Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro (seguranças de Bolsonaro), além de Ailton Moraes Barros (militar amigo do ex-presidente).

As quebras de sigilo também mostram como se davam decisões, montagem de discursos e até reuniões escondidas de Bolsonaro com outras autoridades.

Em 16 de outubro de 2021, por exemplo, Mauro Cid informou ao chefe de gabinete de Bolsonaro, Célio Faria, um novo aumento no preço do diesel e comentou em seguida: “PG não dura muito”, em alusão ao então ministro Paulo Guedes.

A mensagem foi enviada por volta das 13h. No final da tarde, às 16h17, Cid voltou a falar com Célio para avisar a ida do então presidente à Granja do Torto, residência oficial de Guedes durante parte do governo. Cerca de duas horas depois, Cid mandou nova mensagem e diz ao chefe de gabinete: “Não cai”. Célio Faria respondeu que já imaginava essa decisão: “Ele vai abrir as pernas”.

Cinco dias após o encontro com Guedes, Bolsonaro anunciou que o governo criaria um auxílio para caminhoneiros em razão da alta do diesel. Ele disse que a medida beneficiaria cerca de 750 mil trabalhadores no setor.

As quebras de sigilo telemático –Mauro Cid foi alvo de ao menos três em cerca de dois anos– também mostram a equipe do gabinete presidencial em conversas cotidianas, na organização da agenda do presidente, discutindo entre si por erros de comunicação e, também, ironizando integrantes do governo.

Em 24 de julho de 2021, Célio Faria reclama de problemas na agenda de Bolsonaro devido a pedidos que chegavam diretamente ao chefe do Executivo. Após ressaltar sua função na organização da agenda, Célio se queixa a Cid do presidente aceitar os pedidos.

Cid, então, responde em tom de deboche: “Hahahahahahaha Não tem jeito…Pelo menos Gilson e Seif sumiram essa semana”. Jorge Seif era o secretário de Pesca à época. Gilson Machado, o chefe da Embratur. Os dois participavam de vários compromissos com Bolsonaro.

A devassa feita pela PF nas conversas com autorização de Moraes foi alvo de críticas do próprio Bolsonaro.

Após a Folha de S.Paulo revelar a quebra do sigilo bancário e as transações suspeitas entre funcionários da Presidência, Bolsonaro afirmou em setembro de 2022 que Mauro Cid era uma pessoa de sua “confiança” e que tinha acesso à sua vida particular e a decisões de governo, igualmente a presidentes de outros países.

Em resposta ao magistrado, o então presidente afirmou que sua agenda tem um grau de sigilo ultrassecreto, e que a medida foi tomada para ter acesso às informações nacionais.

“Alexandre, você mexer comigo é uma coisa, você mexer com minha esposa, você ultrapassou todos os limites, Moraes, todos os limites. Está pensando o que da vida? Que pode tudo e tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? Isso que passa na tua cabeça? É uma covardia”, disse na ocasião. (Fotos: FolhaPress/PR/ Reprodução)

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