Ministra Cida Gonçalves diz que Damares não priorizou as mulheres e deixou muito prejuízo

Thiago Vilarins – O legado do governo Bolsonaro nas políticas das mulheres foi extremamente crítico. Ao tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu em reverter esse quadro e como principal medida anunciou a recriação do Ministério das Mulheres. A postura de elevar as mulheres ao primeiro escalão do governo mostrou um grande contrate com a gestão do seu antecessor, cuja pasta era espremida com Família e Direitos Humanos e ainda tinha no comando uma ministra conservadora.

Para a missão de reconstruir esse País para as mulheres o presidente escolheu a especialista em gênero e no enfrentamento à violência contra mulheres, Cida Gonçalves. Entre 2003 e 2016, período em que integrou os governos Lula e Dilma, teve papel decisivo na construção de importantes legislações que combatem à violência de gênero: a Lei Maria da Penha, de 2006, e a Lei do Feminicídio, de 2015.

Com o Dia Internacional da Mulher, março se tornou uma oportunidade para a ministra mostrar ações e o posicionamento diante do aumento de todos os tipos de violência contra as mulheres. Em entrevista exclusiva ao repórter Thiago Vilarins, do Opinião em Pauta, Cida elencou como prioridades de sua gestão a paridade salarial entre homens e mulheres, que é uma das principais promessas de campanha do presidente Lula, o fortalecimento de programas como a Casa da Mulher Brasileira, que reúne no mesmo espaço delegacia, promotoria, juizado especial, alojamentos e apoio psicossocial, e o Ligue 180, canal de atendimento exclusivo a casos de violência contra a mulher.

A ministra também falou sobre como vai ser sua relação com o Congresso Nacional, formado, na sua maioria por nomes conservadores, e a sua avaliação da gestão da ex-ministra e atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que era a responsável pelas políticas para as mulheres no governo Bolsonaro. “Foi uma gestão que não priorizou as mulheres. Olhar era a partir da perspectiva da família e não da mulher enquanto sujeito de direito. E isso trouxe muito prejuízo”, disse.

Confira a entrevista:

 Mesmo com pouco mais de 60 dias de governo, quais são os principais avanços nas políticas de atenção às mulheres que merecem ser comemoradas neste mês de março?

Primeiro, nós tivemos a criação do Ministério das Mulheres. Eu acho que essa é a primeira grande vitória que tem que ser comemorada, que tem que ser pautada, porque isso coloca as mulheres no primeiro escalão do governo federal. E a gente espera que isso avance também a nível de Estados e de Municípios, para que as políticas para as mulheres sejam, de fato, respeitadas. Segundo, um conjunto de ações que foram lançadas no dia 08 de março. Mas, mesmo antes desse conjunto de ações, nós já estávamos trabalhando na reestruturação do ‘Ligue 180’, que no governo anterior foi transformado em Ouvidoria dos Direitos Humanos, portanto, só para receber denúncia. E a grande finalidade do 180 é prestar informação e orientação para as mulheres e para a população brasileira, para que elas possam, de fato, ter segurança da denúncia. Então, nós reestruturamos, temos hoje um grupo de mulheres que estão atendendo, nós temos um protocolo emergencial para que, de fato, as mulheres brasileiras não fiquem sem atendimento. E estamos ainda articulando com 28 ministérios mais de 30 ações para que, efetivamente, a gente possa mudar a vida das mulheres nesse País, nas diversas áreas. Na área da autonomia econômica e no mundo do trabalho, na questão da participação política, no enfrentamento à violência contra as mulheres, na organização institucional, que são as pautas que estão aí colocadas.

Gostaria que a senhora aproveitasse esse mês simbólico de celebração às muitas conquistas femininas, e nos falasse sobre as prioridades e desafios da sua gestão e do trabalho de reconstrução das políticas voltadas às mulheres que retrocederam nos últimos anos. E quais os recursos financeiros que a sua pasta dispõe para essa empreitada?

São várias as prioridades, mas duas são fundamentais. Uma é a questão da igualdade e equidade de gênero, principalmente a igualdade salarial entre homens e mulheres. O presidente Lula encaminhou um Projeto de Lei para o Congresso Nacional, onde nós, agora, vamos trabalhar para que ele seja aprovado da forma com que ele foi. Porque esse projeto tem um diferencial superimportante, que é o fato de que ele traz dois elementos. Um é a questão da fiscalização, determina quem fiscaliza, que é o Ministério Público e o Ministério do Trabalho. E, segundo, ele estipula multa para as empresas que não cumprem. E a outra prioridade fundamental é a questão da violência contra as mulheres. Nós estamos em um momento de grande aumento de feminicídios. Todos os dias são mulheres sendo assassinadas. No ano passado nós passamos de sete horas para cada seis horas para uma mulher ser assassinada. Então, esse é um desafio que está colocado, efetivamente, para o Ministério e para o governo do presidente Lula. Quanto ao orçamento, o governo anterior nos deixou apenas R$ 23 milhões, mas nós conseguimos, internamente, no governo, chegar a R$ 123 milhões, com a perspectiva de ampliar de acordo com o que nós formos executando.

Durante a campanha o presidente Lula bateu muito nesta tecla da equiparação salarial entre mulheres e homens. Como será a ação do Ministério das Mulheres para o convencimento da iniciativa privada deste direito?

A gente tem uns dados, do IBGE, que mostram que a diferença de remuneração entre homens e mulheres vinha em uma tendência de queda até 2020. Voltou a subir no País, e atingiu 22% no fim de 2022. Isso significa que uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem. Então, a igualdade salarial alavanca a economia do País, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Uma política de trabalho igual, pagamento igual, pode adicionar 0,2 ponto percentual à taxa de crescimento anual do PIB (Produto Interno Bruto). Então, convencer os empresários, convencer o mercado, convencer os governos, eu acho que isso vai acontecer com esses dados, com essas informações. Não é possível que nesse País a gente ainda tenha pessoas que sejam contra ou que não quererem implementar uma política de igualdade sabendo que todo mundo vai ganhar.

Pelo seu Ministério passam várias pautas de costume. Elas terão que ser aprovadas pelo Congresso Nacional, que nesta legislatura tem a maior bancada conservadora desde a redemocratização do País. Como será a sua relação com o Parlamento e como seguir adiante com essas pautas?

Na verdade, com o Parlamento nós vamos ter que negociar pauta a pauta. Mas, têm várias outras pautas que eu acho que são um consenso e que, possivelmente, irão nos unir. A pauta da violência contra as mulheres, por exemplo, acredito que é uma. A pauta da igualdade salarial, eu também acredito. A da participação política das mulheres é outra. Têm várias pautas que nós podemos estar, efetivamente, nesse momento, acrescentando, trabalhando junto, se articulando. As outras nós vamos discutir caso a caso, ver quais são as posições, o que é possível e o que não é. Agora, é importante dizer que nós estaremos no Congresso e tudo será feito em parceria com os parlamentares e com as parlamentares desse País.

As mulheres ficaram à margem dos cuidados públicos nos últimos governos. Prova disso é que o Brasil fechou o ano passado com um novo recorde de feminicídios. Além disso, aumentaram as taxas, já elevadas, de mortes por câncer e gravidez precoce, por exemplo. Quais os seus planos para intensificar o combate à violência de gênero e de atenção à saúde da mulher?

Com relação à questão da saúde da mulher, nós estamos trabalhando com o Ministério da Saúde. A pasta já retornou a área da Política Nacional de Saúde Integral e Humanizada das Mulheres. Nós discutimos e lançamos ontem (quinta-feira, 24/03), em Recife, junto com o presidente Lula e a ministra Nísia Trindade (Saúde), um novo teste para a questão do câncer do colo, acompanhado junto com o teste, a vacina do HPV, que são um dos cânceres que mais matam as mulheres neste País. Portanto, nós vamos traçar políticas firmes e determinadas. Nós vamos discutir sobre a questão do câncer de mama, quais são as formas que nós vamos ter para evitar, para orientar, para ter teste rápido… Então, tem várias perspectivas sendo construídas no campo da saúde. No campo do feminicídio e da violência contra as mulheres, nós já estamos com diversas ações. Porque nós entendemos que nós precisamos de um lado prevenir, e isso significa trabalhar a mudança de comportamento da sociedade brasileira, trabalhar a questão do respeito entre homens e mulheres, trabalhar com o fim da intolerância, que são estratégias fundamentais. Também garantir o atendimento e para isso nós estamos ampliando o número de Casas da Mulher Brasileira, serão 40 novas casas, que já estão sendo construídas. Agora, no dia 08 de março, o Ministério da Justiça também entregou 270 novas viaturas para a Patrulha Maria da Penha e para as delegacias especializadas e, ainda, vai comprar mais para as guardas municipais. E, além disso, nós vamos trabalhar, efetivamente, políticas também no sentido de monitoramento e acompanhamento das medidas protetivas que, além da Patrulha Maria da Penha, fazer um trabalho de prevenção, que é estratégico no enfrentamento ao feminicídio. Nós vamos discutir e aprimor a questão do monitoramento eletrônico.

 

Ministra Cida Gonçalves: gestão Damares não priorizou as mulheres. (Foto: Pedro Ladeira)

 

Como a senhora avalia a gestão da ex-ministra Damares Alves? Qual o impacto desta administração para os desafios de colocar em prática propostas defendidas pelo governo atual?

Na verdade, a minha avaliação é que foi uma gestão que não priorizou as mulheres. Era com o olhar a partir da perspectiva da família e não da mulher enquanto sujeito de direito. E isso trouxe muito prejuízo. Uma concepção de que mulher usa rosa e homem usa azul, concepção de que você vai acabar com a gravidez na adolescência, voltando à questão da virgindade, não é uma gestão que contribui para a autonomia, para a liberdade, para o crescimento das mulheres e, muito menos, para as mulheres serem sujeitos de direito. Então, nós vamos trabalhar políticas públicas que empoderem, que garanta autonomia, que não permita que as mulheres morram, que não permita que as mulheres sejam violentadas, acreditando que elas são sujeitos de direitos, elas podem vir, elas podem estar no lugar que elas quiserem.

Qual o recado que a senhora deixa para as mulheres brasileiras neste mês de março, símbolo da luta e das conquistas femininas?

Que acreditem! É tempo de ter esperança, é tempo de estar junto. Esse governo respeita e acredita nas mulheres. E, nessa gestão do presidente Lula, essa é uma das prioridades. E o Ministério, essa ministra aqui, estará trabalhando para melhorar a vida de todas as mulheres brasileiras. (Foto: Yasmin Velloso)

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