Matéria publicada no blog Debate Carajás.
Mineração: Generosos com os “grandes” e implacáveis contra os “pequenos” no Pará
CANAÃ DOS CARAJÁS (PA) – A máxima popular universal “aos amigos as benesses da lei e aos inimigos os rigores da lei” vem sendo aplicada para massacrar os “pequenos mineradores”, no sudeste do Pará, em especial, na cidade de Canaã dos Carajás.
Não me cabe nesta análise, questionar a legalidade das sucessivas operações realizadas pela Polícia Federal (PF), auxiliada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recurso Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Força Nacional ou Guarda Patrimonial da Vale, onde os guardas queimam os equipamentos e destroem o “pão de cada dia” dos moradores da área, pois como uma instituição de estado, a PF não pode servir “às vontades” de uma empresa privada, logo essas operações precisam estar sempre amparadas por uma ordem judicial.
A multinacional Vale S.A. foi criada em 1942 com recursos do Tesouro Nacional. No entanto, no dia 6 de maio de 1997, a antiga estatal Vale do Rio Doce foi vendida, pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por uma “ninharia” (R$ 3,3 bilhões), pois somente suas reservas minerais valiam, na época, mais de R$ 100 bilhões. O restante do patrimônio não foi levado em consideração durante o leilão da multinacional.
Hoje em dia, a Vale não possui mais um acionista controlador. Seus maiores acionistas são Previ – Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil – (com 8,6% das ações); Capital World Investors, (com 6,68%); Black Rock (com 6,33%) e a japonesa Mitsui (com 5,99%). De acordo com o formulário de referência da empresa, os outros 67,5% do capital estão pulverizados na bolsa de valores e uma fatia de 4,84% se encontra em tesouraria. Segundo o Portal Valor Investe, a Cosan S.A. comprou, nos últimos meses, 4,9% do total de ações ordinárias da Vale.
Na época do leilão de privatização, a Vale do Rio Doce passou a ser comandada pelo Banco Bradesco, integrante do consórcio Valepar, detentor de 32% das ações, enquanto os investidores estrangeiros passaram a somar 26,7% das ações totais da empresa. Naquele recorte da história, o mega investidor húngaro, George Soros, foi acusado de ser o real comprador da empresa. Naquela época, o folclórico candidato à presidência, “Dr. Enéas”, acusou Soros de ser o maior narcotraficante do mundo.
Embora não tenha mais participação no capital, o governo federal possui uma golden share na empresa (ação de ouro), com direito a veto a algumas decisões, como mudança de nome, sede, alteração em direitos de ações e alienação ou encerramento de negócios relevantes da Vale. No mês de novembro de 2007, a multinacional brasileira adotou o nome comercial “Vale”.
Os números acima mostram que 100 % das ações da Vale estão concentradas “nas mãos” do chamado “grande capital” privado, logo a União não possui um centavo incrustrado na multinacional. Aqui, “durante as conversas com meus botões”, eu fico me perguntando a motivação para tantas perseguições aos “pequenos mineradores” em Canaã dos Carajás. Os fatos mencionados aqui me levam a seguinte pergunta: “é justo colocar na cadeia (como se fosse um bandido da pior espécie) os proprietários de pequenas porções de terra em nome da chamada defesa do “patrimônio da União?”.
Qual seria o objetivo de se realizar quase uma operação policial por mês? Por que os órgãos de fiscalização só miram as pessoas simples? Será que o cidadão que está sendo preso dentro de sua própria terra polui o meio ambiente mais que a Vale? Por que nunca foi vista uma operação policial dentro das enormes crateras feitas pela Vale no sudeste do Pará? Qual o motivo para se arrebentar com os trabalhadores das chamadas “terras devolutas”, como ocorreu na área da Vila Nova Jerusalém, neste sábado (18), se a área não pertence à multinacional?
O governo do Estado do Pará e a União estão com a palavra, pois só a “Mina do Sossego”, “Barragem do Sossego” e a “Barragem do Gelado” (a barragem mais perigosa do Brasil) poluem muito mais o meio ambiente que todos os mineradores artesanais juntos. Existem dois pesos e duas medidas nesta histórica “queda de braço”? Por que as fiscalizações divulgadas para a grande mídia utilizam as nomenclaturas “garimpo ilegal” e “poluição de rios”, se na área onde ocorreu a operação realizada, neste sábado (18), não existem rios muito menos igarapés por perto?
Se a “Barragem do Gelado” vier a se romper, o que não estar difícil, a tragédia de Brumadinho (MG), ocorrida no dia 25 de janeiro de 2019, na Mina Córrego do Feijão, pertencente à mineradora Vale, onde morreram 272 pessoas, vira “café pequeno”, porque vai tirar a vida de centenas de trabalhadores em seus arredores. Esta sim, fica localizada a metros de rios e igarapés, na zona rural de Parauapebas, e distante somente 70 km de Canaã dos Carajás.
“Está na cara” que os megas projetos da Vale causam um dano irreversível ao meio ambiente, pois as marcas deixadas por uma cratera (local onde se retira o minério) com centenas de metros de extensão/profundidade e diversas barragens espalhadas pela Região de Carajás nunca mais serão apagadas do solo, rios e matas da Amazônia. Ao contrário, os pequenos mineradores de cobre cavam apenas cerca de 1,5 metro quadrado, onde fica localizada a chamada “caixa”. Ao deixarem o local, em pouco tempo, a natureza trata de recompor a pequena área degradada pelos moradores.
Na minha visão, a saída para este imbróglio injusto será a legalização por parte do governo estadual e federal das áreas pertencentes aos pequenos mineradores. A área em litígio não abriga nenhuma terra indígena e muito menos uma reserva ambiental. Na visão dos trabalhadores artesanais, as operações policiais ocorrem com frequência devido à solicitação, logística oferecida pela Vale e pagamento de diárias “gordas” aos integrantes de órgãos fiscalizadores e isto seria injusto com quem quer apenas ganhar “o pão de cada dia”.
Em reservado, os trabalhadores afirmaram para a Reportagem que, durante as operações, os agentes da Polícia Federal (PF) ou Força Nacional são educados e tratam muito bem as pessoas no momento da abordagem. No entanto, os guardas da empresa terceirizada, identificada como Prosegur e responsável pela Guarda Patrimonial da Vale, tocam fogo nas máquinas, xingam os trabalhadores, rasgam os documentos pessoais, humilham, queimam as vestes como se fossem polícia.
De acordo com as cozinheiras, nas abordagens, elas são chamadas de prostitutas, vagabundas, putas e são empurradas pelos agentes da Prosegur . Casos de agressões por parte de homens da Prosegur ocorrem aos montes com uso de spray de pimenta, “enforca gato” e outras agressões físicas contra os pequenos mineradores e pecuaristas que ousam “cruzar o caminho” da Vale.
Estima-se que o segmento dos pequenos mineradores gera cerca de 800 empregos diretos e 2.400 indiretos. A Reportagem do Portal Debate conversou com a Assessoria de Comunicação da Vale S.A. sobre as reclamações dos pequenos mineradores.
A multinacional emitiu a seguinte nota.
NOTA
A Vale esclarece que apresenta à Agência Nacional de Mineração todas as informações de que dispõe sobre a existência de indícios de lavra ilegal em títulos minerários da Companhia, atendendo à legislação e fornecendo dados requisitados pelo órgão regulador, a quem cabe adotar as ações cabíveis. Informa ainda que não interfere em operações de órgãos públicos, colaborando na forma da lei, e que exerce a sua prerrogativa de acionar as autoridades competentes sempre que necessário para defesa de seus direitos diante de situações ilegais.
Na foto, mina e barragem do Sossego / Agência Pará
Texto: Pedro Souza/ Portal Debate