Mauro Cid relata à PF participação de Bolsonaro na elaboração da minuta golpista

Militar contou que ex-presidente pediu alteração em texto que previa a prisão de autoridades e novas eleições; defesa de ex-mandatário disse que não teve acesso ao material

 

Em delação à Polícia Federal (PF), o tenente-coronel Mauro Cid apontou a participação direta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na redação da minuta de decreto golpista discutida com os comandantes das Forças Armadas. Segundo reportagem publicada nesta quarta-feira (11) no O Globo, Bolsonaro, após ser apresentado ao esboço do texto pelo assessor Filipe Martins, teria solicitado a alteração do trecho final do documento, que previa a prisão de autoridades de um modo geral.

De acordo com o relato de Cid, o ex-presidente pediu para que Martins mudasse a minuta do decreto golpista para autorizar especificamente a prisão de Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Felipe Martins, conforme a delação, teria então mostrado o texto original para Cid e, dias depois, retornou para uma nova reunião com Bolsonaro para apresentar a versão final da medida.

O decreto atualizado teria agradado o ex-capitão, que pediu  o encontro com os comandantes das Forças Armadas para tratar do golpe, ocasião em que, segundo a delação, apenas o almirante Almir Garnier teria topado participar da ruptura democrática. O episódio, assim como os demais trechos da delação, passam agora pela averiguação de investigadores da PF, que buscam checar os elementos que possam comprovar o relato de Cid. Procurada pela reportagem, a defesa de Bolsonaro disse que não vai comentar, porque não teve acesso ao material.

No encontro entre Bolsonaro e os chefes das Forças Armadas, o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, teria dito ao ex-presidente que seus homens estavam prontos para aderir a um chamamento. Já o então responsável pelo Exército, general Freire Gomes, afirmou que não embarcaria em um eventual plano golpista. Procurado por telefone e por meio do Ministério da Defesa e da Marinha, Garnier não foi localizado. A Marinha reiterou em nota que “eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força”.

O ex-ajudante de ordens disse à PF, de acordo com os relatos feitos ao Globo, que a ideia não foi colocada em prática devido à falta de apoio tanto do general quanto do comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. Na delação, Cid contou também que Bolsonaro realizou várias reuniões com generais fora da agenda oficial depois do segundo turno das eleições. Segundo ele, o ex-mandatário não queria que seus apoiadores deixassem os acampamentos em frente aos quartéis porque acreditava que encontraria provas de fraude nas urnas eletrônicas — o que nunca ocorreu — e precisava manter o apoio popular para contestar o processo eleitoral.

Provas

A delação premiada de Cid é considerada um ponto de partida das investigações da Polícia Federal, que tenta avançar em outros elementos que corroborem as informações repassadas pelo ex-ajudante de ordens. Uma dessas provas, obtida pela CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro, é um e-mail do tenente-coronel listando uma série de decisões do TSE e do STF “em desfavor” do ex-presidente. O documento foi digitalizado e recebido pelo militar em 6 de novembro de 2022, uma semana após a derrota nas urnas do então chefe do Executivo. No fim daquele mês, Cid enviou para si mesmo no WhatsApp uma minuta golpista fazendo referências a “decisões inconstitucionais do STF”. A PF apura se há alguma relação desse material com o decreto golpista apresentado por Filipe Martins.

O texto encontrado pela PF no celular de Cid aponta, sem fundamento, que “decisões ilegítimas e inconstitucionais” do STF ferem o “princípio da moralidade”, pondo “em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e da defesa às liberdades em nosso país”. Ainda de acordo com a minuta, isso justificaria a decretação de um “Estado de Sítio” para “restaurar” o Estado Democrático de Direito no país.

A Polícia Federal também analisa áudios e mensagens de Cid e aliados de Bolsonaro que, segundo os investigadores, reforçam a suspeita de que havia um plano de golpe de Estado. Nesse material, há menções sobre a possibilidade de intervenção militar no fim do ano passado e também da prisão de Moraes. De acordo com mensagens obtidas pela PF, a trama golpista insuflada por apoiadores de Bolsonaro envolvia contornar a resistência do Comandante do Exército em contestar o resultado das eleições e convencer o Comando de Operações Especiais de Goiânia (GO), formado pela tropa de elite da caserna, a tomar alguma medida para evitar a troca de governo.

As mensagens descobertas pela PF no celular de Cid foram determinantes para que o ex-ajudante de ordens fechasse um acordo de delação premiada após quatro meses preso por se envolver em uma suposta fraude de cartões de vacinação de familiares e de Bolsonaro no Sistema Único de Saúde (SUS). Encurralado pela investigação, o militar decidiu contar os principais fatos que observou no fim do governo, especialmente após o resultado das eleições de 2022.

A Polícia Federal também investiga se o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa Bolsonaro no ano passado, atuou como elo entre o ex-presidente e integrantes dos acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército que pediam intervenção militar após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Conforme revelou O GLOBO na segunda-feira, a apuração tem como base o depoimento de Cid.

Procurado, Braga Netto afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que desconhece o teor da delação e não pode se manifestar sobre processo sigiloso. De acordo com o relato de Cid à PF, Braga Netto costumava atualizar Bolsonaro sobre o andamento das manifestações golpistas e fazia um elo entre o ex-presidente e integrantes dos acampamentos antidemocráticos.

(Foto: Isac Nóbrega)

Compartilhe

Outras matérias

Relacionados

plugins premium WordPress