Por Henrique Acker – Não durou muito a promessa do novo governo sírio de levar a paz aos diversos grupos étnicos e religiosos que convivem no país. De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (SOHR), 973 civis foram mortos em massacres ocorridos contra a minoria alauíta desde 7 de março.
Em Hai Al Kusour, um bairro majoritariamente alauíta na cidade costeira de Banyias, moradores disseram à BBC de Londres que as ruas estavam tomadas de corpos espalhados, empilhados e cobertos de sangue.
Segundo relatos de moradores de origem alauíta na região, os criminosos não pertenciam às forças oficiais de segurança. “Eles estavam atrás de dinheiro”, afirmou um dos moradores à TV britânica.
Ex-militares resistem ao novo governo
Cerca de 125 membros das forças de segurança do governo, lideradas por grupos islâmicos sunitas, e 148 combatentes pró-Assad também foram mortos nos últimos dias, informa o SOHR. No total, a matança já chega a cerca de 1.500 pessoas.
O novo governo sírio afirma que, nas últimas semanas, suas forças têm sido alvo recorrente de ataques por grupos leais a Assad. Dezenas de tropas do governo e homens armados leais a Assad estão envolvidos em confrontos nas províncias costeiras de Latakia e Tartous desde quinta-feira (06/03).
Ghiath Dallah, ex-general de brigada do exército de Assad, anunciou uma nova rebelião contra o atual governo, afirmando a fundação do “Conselho Militar para a Libertação da Síria”. Desde a queda de Bashar al-Assad, não há uma política para integrar ex-militares ao novo regime.
Atos de vingança
Em dezembro de 2024, o regime de Bashar al-Assad foi derrubado por uma aliança de grupos sunitas, liderada por Ahmed al-Sharaa, hoje presidente interino. Apesar de seu grupo (HTS) ter origem no Estado Islâmico e posteriormente na Al Qaeda, e chegar a ser classificado pelos EUA como terrorista, o novo regime conta com o apoio das potências ocidentais.
De acordo com o especialista sírio em governança e construção da paz da União de Cuidados Médicos e Organização de Socorro, Zedoun Alzoubi, “o que está acontecendo são retaliações e atos de vingança por várias facções que não fazem realmente parte do Exército sírio.”
Um porta-voz do ministério da Defesa da Síria disse à agência de notícias Sana do país que o governo havia restabelecido o controle após “ataques traiçoeiros” contra seu pessoal de segurança. No entanto, o próprio ministério informou nesta segunda-feira que a operação foi encerrada após a “neutralização” das “células remanescentes” do regime Assad.
Descontrole
O embaixador do Irã no Líbano, Mojtaba Amani, descreveu os assassinatos de alauitas nas cidades de Latakia e Tartus como “sistemáticos” e “extremamente perigosos”, acusando o governo interino da Síria de não ter controle da crise.
“Era esperado que, após a queda do governo de Assad, a Síria enfrentasse uma transição difícil, mas a escala de violência que agora se desenrola não tem precedentes e é profundamente preocupante”, disse Amani.
Diante do clima de terror, milhares de sírios alauítas buscaram abrigo junto à base militar russa de Hmeimim, em Latakia, informou a agência de notícias Reuters. Outras dezenas de famílias fugiram para o vizinho Líbano, de acordo com a mídia local.
Assim que assumiu, Ahmed al-Sharaa prometeu unir o país devastado por 14 anos de guerra civil e respeitar os direitos humanos, alegando que não permitiria ações de vingança sectária. Após a repercussão internacional dos massacres, al-Sharaa anunciou a formação de uma comissão independente para apurar os fatos e punir os responsáveis.
Embora tenha autoridade sobre parte das tropas que o ajudaram a chegar ao poder, algumas facções estão fora de seu controle. Esses grupos armados incluem também combatentes estrangeiros com uma agenda islamita radical.
Minorias em risco
Os alauitas constituem 12% da população da Síria (2,64 milhões do total) e se consideram muçulmanos xiitas. Na Síria ainda existem outras minorias expressivas, como os drusos (3%) e cristãos (10%), mas os islamitas sunitas formam a maioria (74%). Os alauitas são conhecidos por se dedicarem à atividade agrícola.
Com a ascensão do Partido Baath ao poder, em 1971, tendo à frente o alauita Hafez Assad, passaram a ter maior expressão no governo e na sociedade síria. Essa condição permaneceu com a posse de Bashar al-Assad, filho de Hafez, e permaneceu até o fim do regime, recentemente.
Moradores de Latakia acusam grupos armados de terem sequestrado vários alauítas, que mais tarde foram encontrados mortos. A Federação de Alauítas na Europa denunciou uma “limpeza étnica sistemática” contra a minoria. (Fotos: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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