Tese já havia sido considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. De acordo com ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o presidente decidiu respeitar integralmente a interpretação do STF e vetou trechos considerados inconstitucionais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu vetar, no início da noite desta sexta-feira (20), a criação do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A decisão ocorreu após vários debates, reuniões e pareceres de diferentes pastas do governo. O projeto de lei foi aprovado pelo Congresso no curso de uma queda de braço com o Supremo Tribunal Federal (STF), que havia considerado a tese inconstitucional. O anúncio foi feito pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ele informou que Lula, no entanto, sancionou trechos da proposta, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro, que definem regras das demarcações. O prazo para a sanção do projeto vencia nesta sexta-feira.
“O presidente Lula, na data de sanção do projeto de lei encaminhado pelo Congresso Nacional que trata do marco temporal, decidiu por vetar o marco temporal, respeitando integralmente a Constituição Brasileira, inclusive, as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade sobre esse tema. Ele vetou integralmente tudo o que foi considerado inconstitucional”, afirmou Padilha, aos jornalistas, ao lado dos ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), que participaram da reunião com Lula, no Palácio do Alvorada, onde o chefe do Executivo vem despachando após os procedimentos cirúrgicos no quadril e nas pálpebras.
Segundo Padilha, Lula tomou a decisão após consultar vários ministros e técnicos e analisou artigo por artigo do projeto de lei aprovado pelo Congresso. Ele informou que “sobraram alguns artigos” da matéria, que respeitam a coerência da política indigenista e a constitucionalidade, e reforçou que o veto do presidente foi para manter a coerência e “respeitar a Constituição Federal, assim como a política indigenista e a interpretação do Supremo”.
Logo depois o presidente também se manifestou sobre o assunto pelo X, antigo Twitter. Ele afirmou que tomou a decisão “de acordo com decisão” do Supremo Tribunal Federal, que declarou o mecanismo ilegal. “Vetei hoje vários artigos do Projeto de Lei 2903/2023, ao lado da ministra @GuajajaraSonia e dos ministros @padilhando e @jorgemessiasagu, de acordo com a decisão do Supremo sobre o tema. Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários.”
O Ministério Público Federal (MPF) defendia o veto integral ao projeto, pois a nota elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), alegava que a tese do marco temporal não poderia ser feita por meio de lei ordinária. Um veto total, na avaliação do Planalto, teria mais chances de ser derrubado além de aumentar o descontentamento, principalmente, da bancada ruralista, que é a favor da tese do marco temporal. Na avaliação do Planalto, um veto total teria mais chances de ser derrubado.
Os artigos preservados apenas regulamentam práticas já previstas em outras leis, segundo a avaliação do governo. Pontos que tinham oposição do movimento indígena foram vetados. Estavam nesse grupo a permissão e a flexibilização do contato com povos isolados ao autorizar entidades privadas a realizar ações consideradas de utilidade pública com esses indígenas. A decisão pelo veto foi tomada após uma reunião de Lula com Padilha e os ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas).
De acordo com o ministro, o artigo 11, que previa indenizações para dono de terras demarcadas, também foi vetado. “Verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, em razão do erro do Estado”, diz o texto. Os artigos que tratam da possibilidade de rever demarcações e de plantar transgênicos em territórios indígenas também foram vetados, segundo o ministro.
Os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas defendiam o veto integral ao projeto aprovado pelo Senado no fim de setembro. Uma ala do governo, porém, entendia que não era possível contrariar frontalmente o Congresso. A Advocacia Geral da União (AGU) havia apontado em seu parecer sobre o projeto de lei era que não seria possível sancionar o marco temporal porque o Supremo Tribunal Federal (STF) já apontou que é inconstitucional estabelecer que apenas terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas.
O projeto do marco temporal foi aprovado com amplo apoio tanto na Câmara quanto no Senado. O veto de Lula será agora analisado pelos parlamentares, que podem mantê-lo ou derrubá-lo. Como o endosso ao texto foi amplo no Parlamento, a tendência é que a decisão presidencial seja revertida. Mesmo entre partidos governistas, o apoio ao marco temporal foi amplo: no Senado, dos 43 votos favoráveis à proposta, 34 vieram de partidos com cargos na gestão petista.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal devem avaliar o veto em sessão conjunta para análise de vetos, prevista para a próxima terça-feira (24). Se os parlamentares derrubarem o veto de Lula, a lei é promulgada com o trecho vetado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já indicou que a tendência dos parlamentares é voltar a defender que a tese do marco temporal é válida.
(Foto: Ricardo Stuckert / PR)