O texto estabelece regras para empreendedores e garante uma série de direitos às pessoas prejudicadas. Próximo passo é definir as regulamentações da legislação; Movimento dos Atingidos segue em diálogo com poder público
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta sexta-feira (15) a lei que cria a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). A proposta foi aprovada pelo Congresso em novembro, após cinco anos de tramitação. O projeto de lei foi elaborado na Câmara com o objetivo de mitigar os efeitos do rompimento da mina do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG). A tragédia, ocorrida em janeiro de 2019, deixou 272 mortos.
A lei estabelece um entendimento de quais são as populações atingidas por barragens, já que não havia definição semelhante e discussões eram travadas entre mineradoras e a população afetada pelo empreendimento. Segundo o texto, os povos atingidos são todos aqueles que tiveram perda de propriedade, desvalorização de imóveis, perda de capacidade produtiva das terras ou perda de fontes de renda em decorrência de construção, operação, desativação ou rompimento de barragens.
A política nacional ainda define que a população atingida por barragens tem direito a reparação, indenização e compensação social, com negociações preferencialmente coletivas para definir os parâmetros a serem utilizados nas tratativas. Um comitê nacional será criado para “acompanhar, fiscalizar e avaliar a formulação e implementação” da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.
Lula vetou, contudo, trechos sobre como as indenizações deverão ser pagas. Entre os trechos vetados, está o dispositivo que instituía a necessidade de pagamento em dinheiro e o que permitia a aplicação retroativa – ou seja, mesmo sendo sancionada em 2023, a lei passaria a valer para desastres anteriores, como o de Mariana e o de Brumadinho.
O coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Joceli Andrioli, disse que, apesar de a lei não retroagir, ela pode servir como referência para os casos de Brumadinho e Mariana. “Antes, quem dizia quem eram os afetados era a Vale. Agora, o Estado brasileiro [está] dizendo quem são os atingidos. E todos os negociadores que estão na mesa de negociação passam a ter uma referência do que é [o povo] atingido [pelas barragens]”, disse.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo, afirmou que a legislação coloca a luta dos povos atingidos por barragens em outro patamar, porque “sai da clandestinidade e passa a ter um aparato legal, com direitos e deveres”.
“[Um ponto importante] é a existência de uma legislação que prevê proteção aos atingidos, prevenção aos acidentes, repactuação, participação da sociedade civil organizada nos casos de repactuação, nos processos de proteção das vidas em variadas formas.”
O momento histórico marca um ponto importante de uma luta de décadas de comunidades de todo o país, mas não é o último passo. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) celebra sanção da legislação, destacando que são cerca de 40 anos de atuação em busca de garantias para as famílias atingidas. O Projeto de Lei, que entrou em tramitação em 2019, foi fruto de muita mobilização, que não parou nos últimos anos até a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção presidencial.
“Hoje é um dia que entrará para a história da luta das populações atingidas do Brasil. É um momento histórico, talvez uma das maiores vitórias do Movimento nessas quase quatro décadas de luta e resistência no país”, disse Francisco Kelvim, um dos coordenadores do MAB.
Os esforços, agora, ficarão focados na regulamentação da legislação, um processo que demandará ações de diversos agentes públicos. Por isso, o MAB mantém interlocução constantes a Secretaria Geral da Presidência e ministérios envolvidos com o tema, como o do Meio Ambiente e o da Integração e Desenvolvimento Regional. “Não adianta a PNAB estar assegurada na lei. Agora ela tem que ter as condições necessárias para que a reparação integral das populações atingidas aconteça na prática”, complementou Francisco Kelvim, destacando a importância de se criar um fundo de reparação para tratar o passivo do estado com as populações atingidas.
(Foto: Ricardo Stuckert)