MEC abriu consulta pública sobre o Novo Ensino Médio, que é criticado desde a implementação, na gestão Michel Temer. Entidades pedem revogação; Lula só diz que haverá ‘nova discussão’. Especialista diz que declaração é ambígua
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta terça-feira (21), que o governo fará um amplo e democrático debate sobre a reforma do ensino médio, aprovada em 2017, no governo Michel Temer (MDB), por meio de medida provisória (MP 746/16). O novo modelo tem sido objeto de críticas e polêmicas desde o seu anúncio por problemas na implementação das novas regras, pela falta de clareza em relação ao seu objetivo e ausência de debate público.
O chefe do Executivo destacou que “não vai ser do jeito que está”. A declaração ocorreu durante entrevista à TV 247. Lula destacou que o ministro da Educação, Camilo Santana, abrirá um amplo debate sobre o assunto. “Eu conversei com o ministro Camilo Santana e ele vai fazer um debate sobre o novo ensino médio. Ele vai fazer uma discussão com os educadores, com os estudantes. Não vai ser do jeito que está. Ele fará uma discussão para que a gente possa fazer uma coisa que seja agradável ao governo, mas também aos estudantes”, assegurou.
“Camilo vai conversar com outros sindicatos para que a gente possa estabelecer uma nova discussão sobre o ensino médio. Ele vai mudar e tenho certeza que ele vai fazer aquilo que for melhor para os estudantes”, concluiu.
O “Novo Ensino Médio” estabeleceu uma estrutura curricular que elimina as disciplinas escolares a partir do 2º ano do Ensino Médio, substituindo-as por itinerários formativos que seriam, em tese, escolhidos pelos estudantes. O objetivo apresentado foi de flexibilizar o currículo, oferecer aos alunos uma formação mais direcionada às suas áreas de interesse, além de ampliar a educação em tempo integral. No entanto, o modelo tem deflagrado na sua implementação uma série de falhas irreparáveis, que passam desde matérias sem conteúdo aprofundado até professores sobrecarregados, ministrando aulas sem estrutura alguma ou formação dentro da sua área e falta de investimentos na formação de professores e na infraestrutura das escolas.
Além disso, a flexibilização na grade de estudos expõe o problema da diferença que há entre o sistema de educação das escolas públicas e das escolas particulares e exclui materiais importantes para formação e análise críticas para o desenvolvimento dos estudantes. Muitas escolas públicas enfrentam dificuldades como falta de equipamentos, salas superlotadas e falta de recursos para atividades extracurriculares, o que pode dificultar a aplicação das novas metodologias propostas pelo programa.
Sobre a regulamentação e elaboração de propostas nas esferas estaduais, os primeiros resultados identificaram uma imensa diversificação na composição dos textos curriculares, de modo a termos atualmente 27 “ensinos médios” pelo País. Há estados em que foram criadas mais de 200 disciplinas eletivas, e a maioria delas remete a conteúdos de disciplinas convencionais, outras nem isso.
Especialistas e educadores pedem revogação do modelo
Para discutir o tema, o Ministério da Educação (MEC) chegou a abrir uma consulta pública no início do mês. A iniciativa foi duramente rechaçada por entidades e pesquisadores da área de educação que formalizaram uma carta aberta, com mais de 300 assinaturas, pedindo o fim da reforma. No último dia 15 de março as ruas de 55 cidades brasileiras foram tomadas por estudantes, professores, educadores, movimentos sindicais e outras organizações em protesto pela revogação desta medida.
“A reforma está a serviço de um projeto autoritário de desmonte do Direito à Educação”, afirma trecho da carta. Existe uma preocupação de quando as mudanças serão, de fato, definidas, já que o modelo tem sido implementado nas redes de ensino. A reforma também impacta no desenho das avaliações nacionais, como o Enem, principal porta de entrada ao ensino superior.
Professor considera declaração de Lula ambígua
À reportagem do Opinião em Pauta, o professor Fernando Cássio, doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do ABC (UFABC), defendeu a revogação imediata da reformulação do Ensino Médio que, segundo ele, tem problemas na sua origem. “Nós estamos vendo e já temos pesquisas que mostram o quanto a reforma aprofunda as desigualdades educacionais no País. E este efeito de amplificação de desigualdades de condição de escolaridade, não é colateral. Ou seja, não é que a reforma está tendo problemas de má implementação. O que estamos vendo é que este é um efeito da própria concepção da reforma”, disse.
“Não tem ajuste possível para uma reforma que faz 54 alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Então, a defesa da revogação é a defesa da gente disparar um movimento nacional para construir um outro modelo de ensino médio. A revogação é o primeiro passo”, completou.
Sobre a declaração do presidente Lula, Fernando Cássio a classificou como ambígua. “O que significa estabelecer uma nova discussão? O ministro da Educação já declarou, na imprensa, que é contra a revogação. Então, se não vai ser feito do jeito que está, o que vai ser feito, de concreto, que não passe por revogar essa excrecência? Falar que vai fazer consulta pública, basicamente, só serve para empurrar com a barriga o problema. Para esperar baixar a fervura do debate. Os estudantes estão na rua. Eles não vão ficar aguardando os protocolos de consulta pública, inclusive, porque o ministro da educação e a cúpula do ministério é fortemente vinculada com esses institutos e fundações empresariais que são os apoiadores da reforma do ensino médio, de primeira hora, desde o governo do Michel Temer. Então, o que vai ser feito de concreto para lidar com o problema central de uma reforma educacional que aprofunda as desigualdades educacionais em um País já profundamente desigual? Essa é a pergunta que o Lula deveria responder”, avaliou.
Foto principal: Reprodução/TV247