Lula diz que não vai revogar Novo do Ensino Médio

MEC suspendeu cronograma de substituição do modelo educacional por 60 dias; ministro diz que não houve debate aprofundado sobre as mudanças.

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou nesta quinta-feira (6) que o governo federal não vai revogar o Novo Ensino Médio. O petista disse que a medida de suspender o cronograma nacional de implementação é para “aperfeiçoar” o novo modelo educacional. “Não vamos regovar. Suspendemos e vamos discutir com todas as entidades interessadas em discutir como aperfeiçoar o ensino médio nesse país”, disse, durante um café com jornalistas no Palácio do Planalto.

Ainda de acordo com o presidente Lula, a suspensão decorre de uma ideia extraída do grupo de trabalho que avaliou a área da educação no momento da transição governamental. “Nós vamos suspender por um período, até fazer um acordo que deixe todas as pessoas satisfeitas com o ensino médio nesse País”, completou.

O Ministério da Educação (MEC) publicou a portaria na quarta-feira (5) que suspende a implementação do Novo Ensino Médio. O documento determina um prazo de 60 dias para avaliação e reestruturação da política nacional sobre o Ensino Médio, conforme consulta pública aberta pelo governo. Na prática, a suspensão dos prazos de implementação não altera o dia a dia das escolas, que devem continuar seguindo as diretrizes do Novo Ensino Médio.

De acordo com o presidente, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), está cumprindo uma decisão extraída da comissão que analisou a área de educação na transição de governo, realizada em novembro e dezembro de 2022.

Na terça-feira (4), Camilo Santana afirmou que não houve um debate aprofundado sobre a implementação do Novo Ensino Médio. O ministro disse ainda que a gestão anterior da pasta foi “omissa” em relação ao tema. O cronograma de implementação do Novo Ensino Médio foi publicado em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro. À época, uma portaria definiu prazos para que políticas nacionais e avaliações fossem modificadas.

Conforme a portaria de 2021, por exemplo, o Enem de 2024 seria aplicado seguindo as diretrizes do Novo Ensino Médio. Camilo Santana afirmou que a suspensão do cronograma não interfere no Enem deste ano. Ele também disse que as escolas que começaram a implementar o Novo Ensino Médio vão continuar com o processo.

 

Manifestação de estudantes no Eixo Monumental de Brasília, no dia 15 de março, pela revogação do Novo Ensino Médio. (Foto: Ed Alves/CB)

Manifestações

No último dia 15 de março as ruas de diversas cidades brasileiras foram tomadas por protestos populares pela revogação do Novo Ensino Médio. Estudantes, professores, educadores, movimentos sindicais e outras organizações mobilizaram cerca de 150 mil manifestantes. No mesmo dia, também foi divulgada uma carta aberta com a assinatura de mais de 300 entidades representativas, sindicatos, grupos de pesquisa, associações científicas e movimentos sociais com atuação destacada na educação. “A reforma está a serviço de um projeto autoritário de desmonte do Direito à Educação”, afirma um trecho da carta.

Proposto pelo ex-presidente Michel Temer, o Novo Ensino Médio foi aprovado pelo Congresso em 2017. É um novo modelo obrigatório a ser seguido no ensino médio por todas as escolas do país, públicas e privadas. A lei estipula aumento progressivo da carga horária. Antes, no modelo anterior, eram, no mínimo, 800 horas-aula por ano (total de 2.400 no ensino médio inteiro). No novo modelo, a carga deve chegar a 3.000 horas ao final dos três anos.

Desde 2022, as disciplinas tradicionais passaram a ser agrupadas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). A partir deste ano, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados “itinerários formativos”) nas quais se aprofundará.

Críticos do novo modelo alegam que a sua implementação tem deflagrado uma série de falhas irreparáveis, que passam desde matérias sem conteúdo aprofundado até professores sobrecarregados, ministrando aulas sem estrutura alguma ou formação dentro da sua área e falta de investimentos na formação de professores e na infraestrutura das escolas. Além disso, a flexibilização na grade de estudos expõe o problema da diferença que há entre o sistema de educação das escolas públicas e das escolas particulares e exclui materiais importantes para formação e análise críticas para o desenvolvimento dos estudantes.

 

Pesquisa

Pesquisa realizada pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU) em São Paulo – o primeiro Estado do País a implementar o NEM – mostra que a maior rede pública de ensino do País tem apresentado problemas como aumento das desigualdades escolares dentro da rede pública, estudantes sem aulas por falta de professores, maior precarização do trabalho docente, ampliação do ensino a distância, estreitamento curricular e privatização da oferta educacional direta.

Os resultados evidenciam, por exemplo, o quanto é muito baixa a possibilidade de os estudantes efetivamente escolherem as suas trajetórias escolares. Cerca de 36% das escolas da rede estadual paulista ofertam apenas dois dos 10 itinerários formativos possíveis. Os itinerários mais disponíveis em São Paulo são “Cultura em movimento” e “Meu papel no desenvolvimento sustentável”. No primeiro, são contempladas as áreas de linguagem, história, geografia, arte, filosofia e sociologia. No segundo, física, química, biologia e matemática. Quem escolhe um, não acessa as disciplinas do outro.

As análises também mostram que a variedade de itinerários formativos ofertados depende muito mais das condições materiais das escolas (salas de aula disponíveis, equipes docentes) e de fatores relacionados à gestão escolar, do que da escolha individual dos estudantes. Na prática, 1.327 escolas de Ensino Médio da rede estadual (35,9% do total) vêm ofertando apenas dois itinerários formativos para o 2º ano. Destas, 71,7% (25,7% do total da rede) oferecem exatamente os mesmos dois.

Um dos autores do estudo, o doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Fernando Cássio, avalia que “a livre escolha prometida aos estudantes desde as primeiras propagandas em favor da Reforma do Ensino Médio, em 2016, serviu apenas para convencer a população de que o Novo Ensino Médio iria melhorar a qualidade da escola pública e torná-la mais atrativa aos estudantes. Na verdade, o que a pesquisa mostra é que a Reforma vem piorando significativamente as condições dessa escola, sobretudo para os mais pobres”, pondera o professor.

“Não é que a reforma está tendo problemas de má implementação. O que estamos vendo é que este é um efeito da própria concepção da reforma. Não tem ajuste possível para uma reforma que faz 54 alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Então, a defesa da revogação é a defesa da gente disparar um movimento nacional para construir um outro modelo de ensino médio. A revogação é o primeiro passo”, alega. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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