Lista de monitorados pela Abin tem políticos, assessores, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos

A lista de alvos monitorados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), obtida pelo GLOBO, revela indícios de que durante o governo de Jair Bolsonaro foram espionados políticos, assessores parlamentares, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos.

Os dados estão registrados no sistema israelense FirstMile, usado pelo órgão entre 2019 e 2021 para vigiar a localização de pessoas por meio da conexão do celular.

Uma dessas operações de espionagem ocorreu entre junho e julho de 2019, quando o perfil “Pavão Misterioso” causou alvoroço nas redes sociais.

A conta anônima no então Twitter (atual X) divulgava insinuações falsas sobre políticos de esquerda.

Uma delas tratou de um suposto acordo para a venda de mandato, o que nunca se comprovou, do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) para o seu sucessor na Câmara, David Miranda. Os posts foram insuflados pelo vereador Carlos Bolsonaro, que escreveu à época: “Vem mais pavão misterioso por aí?”.

Naquele mesmo período, integrantes da Abin passaram a monitorar os passos de Wyllys e Miranda, adversários da família Bolsonaro.

Em junho de 2019, foi salvo num sistema da agência o arquivo “pavão.pdf”. Tratava-se de reprodução de uma tela de pesquisas realizadas em nome de Wyllys, Miranda e do jornalista Leandro Demori, que trabalhava no site The Intercept, responsável por divulgar mensagens do ex-juiz Sergio Moro, então ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, e procuradores da Operação Lava-Jato. Falsas acusações sobre Demori também foram publicadas no perfil do Pavão Misterioso.

No mês seguinte, em 6 de julho de 2019, foram feitas três consultas no FirstMile utilizando celulares vinculados a Wyllys e Miranda, que era casado com Glenn Greenwald, então jornalista do The Intercept.

Procurado, Wyllys afirmou que era visto como “inimigo político” pelo governo Bolsonaro:

 

— Estava convicto de que, com eles, corria enorme risco de vida além de ser implicado em dossiês falsos que destruíssem minha reputação. Antes mesmo de ele despontar como favorito às eleições, sua gente já me perseguia, assediava e ameaçava de maneira tão sistemática que só mesmo uma vigilância contínua poderia garantir tamanha perseguição e violência

O programa israelense monitorava alvos selecionados por meio da geolocalização de celulares. Desde que passou a ser investigado, a Polícia Federal descobriu que políticos, advogados, jornalistas e autoridades foram bisbilhotados pelo governo Bolsonaro.

O esquema de espionagem ilegal pela Abin foi revelado pelo jornal O GLOBO em março do ano passado e, desde então, passou a ser investigado pela Polícia Federal — que descobriu que políticos, advogados, jornalistas e autoridades foram bisbilhotados pelo governo Bolsonaro. Em nota, a Abin destaca que “é a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos e continuará colaborando com as investigações”.

 

Política sob vigilância

Não foi só Jean Wyllys monitorado pela Abin.

Registros do FirstMile apontam que o sistema também foi utilizado para monitorar os passos de assessores parlamentares.

Um dos alvos foi Alessandra Maria da Costa Aires, lotada no gabinete do senador Confúcio Moura (MDB-RO). No período da suposta espionagem, o parlamentar fez críticas a Bolsonaro por suas declarações na pandemia e votou contra a facilitação ao porte de armas.

Celulares vinculados a assessores de políticos de direita também foram pesquisados no FirstMile pela Abin.

É o caso de Evandro de Araújo Paula, que trabalhou para a deputada federal Bia Kicis (PL-DF). No período da vigilância, entre abril e maio de 2020, o auxiliar legislativo participou do acampamento do grupo radical chamado “Os 300 do Brasil”, que se alojou na Esplanada dos Ministérios e lançou fogos de artifício contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

Hoje deputado federal, Gustavo Gayer (PL-GO) também foi alvo de monitoramento em região próxima ao Congresso.

Durante a pandemia, ele ganhou popularidade entre bolsonaristas ao divulgar vídeos com informações falsas sobre medidas tomadas contra a Covid-19. Não há detalhes no sistema da Abin sobre o motivo da vigilância do atual parlamentar.

Outro alvo da Abin foi Giacomo Romeis Hensel Trento, que foi monitorado pela agência em 2019. Ele foi secretário especial de Relações Governamentais da Casa Civil durante a gestão de Onyx Lorenzoni no governo Bolsonaro. Segundo dados do FirstMile, foram realizadas 146 consultas em número de celular vinculado a Trento com localização próxima à do Supremo Tribunal Federal (STF).

O direcionamento político do uso da ferramenta FirstMile pela Abin é um dos principais focos de investigação da Polícia Federal. A maior parte das consultas foi feita em setembro e outubro de 2020, meses que precederam as eleições municipais. No período, foram realizadas mais de 35 mil consultas no sistema de espionagem entre as mais de 60 mil realizadas ao longo de três anos.

 

Ambientalistas, acadêmica e jornalistas

Os dados registrados no FirstMile também mostram que a Abin estava interessada em acompanhar os passos de ambientalistas. Entre os alvos da agência, estavam Marcelo José de Lima Dutra, analista ambiental do Ibama e ex-presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, e Newton Coelho Monteiro, engenheiro que atuava na detecção de queimadas e desmatamento no mesmo órgão amazonense.

Procurado, Marcelo Lima Dutra lamentou a presença de seu número entre os monitorados. De acordo com ele, a atuação do Abin no caso deve ser apurada e os responsáveis, punidos.

 

— Me sinto muito mal, invadido em minha vida privada pelo Estado, que deveria proteger e garantir os direitos constitucionais do cidadão. A sensação é de repulsa contra o uso da coisa pública para fins criminosos, até por não ter nenhum ato da minha vida que não esteja à luz da lei. Vejo o uso da Abin no monitoramento ilegal de pessoas a pedido de grupos políticos como uma ato de violência do Estado contra a sociedade, vedado pela Constituição e que deve ser exaustivamente apurado e sejam rigorosamente punidos os responsáveis — disse.

Outro alvo de espionagem da Abin foi Hugo Ferreira Netto Loss, então coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama. Ele encabeçou uma ação contra garimpos em terras indígenas sul do Pará. Foi exonerado do cargo em abril de 2020. (Foto: Reprodução)

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