Indígenas e entidades cobram Pacheco para que Marco Temporal seja enviado a mais comissões

Texto deve ser votado ainda nesta quarta-feira (23) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Entidades pedem discussão em outros colegiados, como a Comissão dos Direitos Humanos (CDH)

 

Cerca de 300 entidades assinaram um manifesto contra o avanço do Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, que estabelece o Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, no Senado. A proposta poderá ser votada nesta quarta-feira (23) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados. O manifesto foi enviado na terça-feira (22) para ministérios e parlamentares, inclusive para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As instituições apontam que o texto não foi enviado às comissões de Assuntos Sociais (CAS), do Meio Ambiente (CMA) e dos Direitos Humanos (CDH), o que poderia permitir um diálogo mais aprofundado e com participação dos povos indígenas.

“Solicitamos respeitosamente que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cumpra com seu compromisso de garantir um debate adequado sobre tema tão relevante e, atendendo às solicitações de diversos senadores, organizações indígenas e da sociedade civil, submeta o PL 2.903/2023 à análise das comissões de meio ambiente (CMA), de Direitos Humanos (CDH) e de Assuntos Sociais (CAS)”, escrevem as organizações.

As entidades citam que Pacheco declarou que “não haverá apressamento” para enviar o texto ao Plenário, mas que a tramitação pula comissões importantes para o tema. Caso a matéria seja aprovada na CRA nesta quarta-feira, o Marco Temporal será enviado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, em seguida, ao Plenário, com previsão de ser votado em 5 de setembro.

Entre as entidades que assinam o manifesto estão: Universidade de Brasília (UnB), WWF Brasil, Terra de Direitos, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Amazon Watch, e o Observatório do Clima.

Paralelo a esse manifesto, lideranças indígenas estão intensificando nesta quarta-feira a mobilização política em Brasília (DF) contra a tese do marco temporal. Uma comitiva formada por diferentes interlocutores da chamada Mobilização Nacional Indígena, frente que reúne organizações do segmento, protocolou documento no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pedindo uma audiência “em caráter de urgência” com o parlamentar para tratar da proposta.

O movimento também reivindica o respeito do ritmo de tramitação do projeto de lei (PL) 2903-2023. “Estamos aqui desde ontem fazendo essa incidência em Brasília. Viemos protocolar o documento no gabinete do presidente reivindicando que ele garanta a palavra [que deu anteriormente] de que não iria colocar o PL em votação sem passar pelas comissões”, destaca Ernestina Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), instância que esteve representada na comitiva.

Pacheco falou sobre o assunto à imprensa no final de maio, logo após a Câmara aprovar a urgência do texto. Na ocasião, o senador recebeu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, para tratar do assunto. Ao falar em “cautela” e “prudência”, Pacheco sugeriu, na época, que o texto não iria ao plenário sem que fosse debatido pelos colegiados competentes para tratar do tema. O PL ainda precisa passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo.

Senadores pedem tramitação em mais colegiados

A senadora Leila Barros (PDT-DF), que preside a CMA, declarou que pedirá a Pacheco que o texto fosse enviado à sua comissão. Já Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou requerimentos para que a proposta fosse distribuída à CAS, CMA E CDH, sob a justificativa de que os interesses dos povos indígenas devem ser ouvidos na tramitação do Marco Temporal.

“[O PL] coloca em risco a nossa vida, todos os nossos territórios e, ao final, o próprio planeta Terra. Então, estamos aqui dizendo que não concordamos, que não queremos que os senadores votem sem passar pelas comissões e queremos também o respeito à Constituição Federal porque aprovar esse PL é rasgar a Constituição, que garante os nossos direitos”, reforça Ernestina Macuxi.

Entoada pela bancada ruralista, a ideia de um marco temporal para demarcação de territórios tradicionais consiste no entendimento de que os indígenas só poderiam ter suas áreas formalmente reconhecidas caso estivessem vivendo nesses locais ou pelo menos travando disputa por eles antes de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal.

A tese é duramente rechaçada por ambientalistas, entidades da sociedade civil organizada e outros especialistas nesse tipo de agenda. Eles afirmam que os direitos do segmento precisam ser garantidos sem estarem condicionados à data da promulgação da Constituição, pelo fato de as populações indígenas serem comprovadamente nativas do território que hoje se denomina Brasil e que, no passado, foi colonizado por tropas portuguesas a partir de 1500.

No documento entregue ao gabinete do senador, o movimento indígena ressalta que a tese do marco temporal bate de frente com uma série de parâmetros internacionais que asseguram direitos das comunidades tradicionais. Por essa razão, o texto foi “objeto de denúncias de organismos internacionais de direitos humanos e de parlamentares mundo afora”. O texto cita o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o Parlamento do Reino Unido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e a ONU Mulheres como exemplos de instâncias internacionais que já pediram a rejeição da proposta.

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