A gestão de parte da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) será transferida para a iniciativa privada em 126 dos 144 municípios, depois do leilão realizado na última sexta-feira, 11, na Bolsa de Valores de São Paulo. A empresa vencedora do certame foi a Aegea, conforme divulgou o portal Opinião em Pauta.
Qual será o efeito dessa concessão na tarifa que será transferida aos consumidores?
A repórter Taymã Carneiro, do G1, consultou especialistas para discutir as perspectivas da Cosanpa sob a administração do setor privado.
Profissionais da área indicam que a privatização dos serviços de fornecimento de água e de saneamento básico demandará um considerável aporte financeiro por parte do setor privado, em relação a outros tipos de concessões em todo o país.
A jornalista registrou que os especialistas acreditam que os gastos operacionais acabarão sendo transferidos para os consumidores, afetando, em especial, a classe média nos próximos anos. em virtude dos significativos investimentos necessários para garantir o fornecimento de água e o tratamento de esgoto em um estado com vasta extensão territorial,
O aporte de capital privado ficará em torno de R$ 20 bilhões. A companhia que ganhou a licitação terá um prazo de 120 dias para formalizar o contrato. Após esse intervalo, elas iniciarão suas operações no estado.
A proposta para os quatro segmentos visa alcançar a plena cobertura no fornecimento de água até 2033 e assegurar que 90% da população tenha acesso ao sistema de esgoto até 2039. A Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) declarou, através de sua assessoria, que não foi realizada uma venda permanente do serviço, sendo assim, trata-se de uma concessão.
De acordo com o governo, houve um total de oito propostas para conquistar os quatro blocos oferecidos por quatro companhias. O critério utilizado para avaliar as ofertas no leilão foi valor máximo de outorga fixa. O leilão contou com a presença do governador Helder Barbalho (MDB) e do Ministro das Cidades, Jader Filho.
Grandes aportes financeiros e concorrência.
Segundo o advogado Fernando Vernalha, especializado em saneamento e infraestrutura, as características regionais do Pará apresentam desafios únicos para a concessão.
“Um dos principais obstáculos é a amplitude das áreas concessivas, que no Pará é bastante extensa e abrange regiões com pouca densidade populacional. Dessa forma, o projeto que envolve 4 blocos requer um investimento significativo.“.
Um novo obstáculo enfrentado pelas empresas é a norma que determina que 30% da população deve ter acesso à tarifa social, que proporciona um desconto de 50% para famílias em situação de vulnerabilidade econômica.
Vernalha também esclarece que o contrato de concessão inclui uma taxa fixa, ou seja, um montante significativo que a empresa vencedora do leilão deve pagar ao assinar o acordo de concessão, permitindo assim a exploração dos serviços com base na infraestrutura da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa).
O especialista considera que existem diversos riscos para o mercado em um contexto nacional onde as empresas buscam concessões mais favoráveis, apoiadas por projetos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No Pará, há ainda um fator adicional: a realização da Conferência do Clima (COP 30) em novembro, na cidade de Belém.
“Em um cenário onde o mercado é exigente, essa concorrência tende a apresentar menos competitividade. Se analisarmos outros leilões, perceberemos que eles atraem mais concorrentes e interesse, pois envolvem projetos que são mais bem avaliados“, diz.
O Procurador Geral do Estado, Ricardo Sefer, esclarece que a concessão tem como objetivo resolver questões relacionadas ao acesso ao saneamento básico, problemas que existem há muito tempo no Pará. Por outro lado, os sindicatos estão preocupados com possíveis demissões – 400 dos 1.200 funcionários já foram dispensados em um processo de saída voluntária sugerido pela Cosanpa.
Conforme Sefer, o setor público poderá contar com a colaboração do investimento privado nas iniciativas de saneamento em regiões urbanas, “gerando e processando água e esgoto em 123 cidades; além de realizar a distribuição de água e o tratamento de esgoto em Belém, Ananindeua e Marituba, aproveitando a infraestrutura da Cosanpa” que já está disponível.
A Cosanpa permanece responsável pela produção de água, mantendo a possibilidade de operar na zona rural. A distribuição de água e o tratamento de esgoto em regiões urbanas ficará a cargo da iniciativa privada“, afirma Sefer.
Custo para o consumidor
A Arcon, órgão responsável pela regulação e supervisão dos serviços públicos no Pará, ficará encarregada de monitorar e aprovar eventuais aumentos nas tarifas.
Um aumento nas tarifas pela oferta do serviço teria como objetivo atualizar os preços e recompensar os investimentos realizados. Isso significa que, quanto maior for o montante investido, maiores serão os reajustes necessários no futuro, conforme explicaram os especialistas consultados pelo g1.
Certamente, já há uma tarifa planejada, que está incluída na análise de viabilidade e que, em teoria, deve ser adequada para arcar com os custos e investimentos. Além disso, existem subsídios que poderiam ser incorporados, como recursos provenientes de fontes externas.
Em relação à supervisão do serviço, Everson Costa, especialista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), esclarece que, após a privatização do setor elétrico e do serviço de telefonia no Brasil, surgiram agências reguladoras com a finalidade de garantir a fiscalização e monitoramento dessas áreas.
A Aneel, que tem a função de regular as concessões no setor de energia, e a Anatel, responsável pela telefonia, foram estabelecidas com o objetivo de supervisionar e monitorar a implementação e possíveis aprimoramentos desses serviços. No entanto, os resultados obtidos continuam insatisfatórios, com aumentos frequentes e um desempenho negativo, segundo afirmações.
O procurador Sefer argumenta que os documentos contêm um acordo para aa empresas que ganhou a concessão, garantindo que não haverá aumento no preço do metro cúbico de água fornecida e do esgoto tratado no estado.
A companhia não possui liberdade para realizar cobranças que não sejam permitidas pela agência reguladora do estado. Nenhuma cobrança adicional ou aumento nas tarifas atualmente vigentes pode ser feito. Todas essas decisões dependem de um processo público, que será fundamentado em critérios técnicos e sempre levará em conta os interesses da população do Pará, declara o procurador.
Ricardo Sefer ressalta a importância de encontrar um equilíbrio entre a remuneração que deve ser oferecida e a capacidade de pagamento dos cidadãos do Pará.
Os acontecimentos tendem a se repetir.
Everson Costa, especialista e pesquisador no Dieese, comenta que a privatização dos serviços de abastecimento de água e saneamento “refere-se a uma tendência que já foi observada pelos habitantes do Pará“.
“A liberalização do setor de energia elétrica, iniciada no início dos anos 2000, demonstra que a narrativa sobre sua venda e as esperadas melhorias não se desenrolam exatamente como se imaginava“, recorda.
Para ele, o tempo avançou e a privatização do setor elétrico evidenciou que a expansão da rede realmente ocorreu, mas principalmente devido a iniciativas de políticas públicas federais, como o programa Luz Para Todos, além da influência de uma estrutura econômica local.
“Na ocasião em que foi anunciada a venda da antiga Celpa, havia a esperança de que a privatização não apenas expandisse o sistema, mas também aprimorasse o abastecimento, incluindo a redução de preços devido aos investimentos privados. No entanto, o que ocorreu foi o inverso.“.
De acordo com um estudioso do Dieese, as informações do Procon sobre o atendimento e as queixas relativas à empresa fornecedora de energia no Pará, bem como as comunidades remotas que ainda não têm acesso à eletricidade, evidenciam questões relacionadas à privatização dos serviços no estado.
“Não nos opomos a qualquer forma de investimento, expansão ou aprimoramento. Entretanto, a simples disponibilização desses recursos, ou a privatização, não assegura que todas as questões serão solucionadas“, ressalta.
O especialista ressalta que, em um ano marcado pela COP 30 e pelas discussões sobre questões ambientais e recursos naturais, “é lamentável que o Pará esteja seguindo uma abordagem de privatização que contrasta com a tendência global, onde os governos estão reassumindo o controle sobre os serviços privados“.
“Ter acesso à água potável e ao esgoto tratado é fundamental para a vida, é um serviço essencial e um direito dos cidadãos que o Estado deve assegurar“, afirma o pesquisador do Dieese. (Foto: Ascom/ Cosanpa)