Por Filipe Domingues (*) – O papa Francisco, uma personalidade carismática e amplamente admirada, faleceu no dia 21 de abril, após o Domingo de Páscoa. Em menos de três semanas, já temos um novo líder na Igreja: o papa Leão XIV. O cardeal americano Robert Francis Prevost, que atuava como seu principal auxiliar no Dicastério para os Bispos, onde é responsável por orientar, nomear e supervisionar os bispos católicos, foi escolhido para suceder Francisco — e, de fato, ao apóstolo Pedro, considerado o primeiro Papa segundo a tradição católica.
Devido à minha função como diretor da fundação The Lay Centre, que é uma residência para estudantes e um centro de formação em Roma, tive a chance de encontrar o cardeal Prevost em diversas ocasiões. Ele sempre chegava aos eventos de forma independente, dirigindo seu próprio carro, demonstrando simpatia, discrição e acessibilidade. Durante as reuniões, conversava em inglês, italiano ou espanhol.
Resposta a e-mails e mensagens era ágil, frequentemente no dia seguinte. Quando estava lá, dedicava o tempo que fosse preciso, sem pressa de se retirar. Principalmente nas missas que conduzia, orava e pregava com sinceridade e eloquência, utilizando diversos idiomas.
Além da vivência individual, três aspectos se destacaram para mim nestes primeiros momentos da liderança do Papa Leão XVI.
- Um papa pastor: Os cardeais da Igreja continuaram alinhados com Francisco.
- Um preconceito desfeito: a ideia de ter um papa americano parecia algo impensável.
- “A paz esteja com cada um de vocês”: as palavras iniciais do papa expressam um anseio e uma firme crença.
Perfil pastor
Após o falecimento de Francisco e antes da realização do conclave, os assuntos abordados pelos cardeais nas “congregações gerais”, que são as reuniões que precedem o conclave, tornaram-se mais claros. A sala de imprensa da Santa Sé e os próprios cardeais, em diálogos com a mídia, indicavam uma ideia fundamental: é necessário escolher um papa com um perfil “pastoral“.
A destacada dimensão pastoral do papado evidenciava o perfil desejado. Um nome que continuasse o legado do papa Francisco, embora com um toque distinto. Francisco frequentemente afirmava que os sacerdotes da Igreja precisam ser “pastores com cheiro de ovelha” — ou seja, devem estar próximos das pessoas, vivenciando a realidade cotidiana, e não apenas serem observadores, gestores desinteressados, ambiciosos ou burocratas desmotivados.
Nos dias que antecederam o conclave, o nome de Prevost começou a aparecer ocasionalmente como um potencial candidato. Apesar de o cardeal Pietro Parolin, de 70 anos e secretário de Estado durante o papado de Francisco, ser frequentemente mencionado como o principal papável, seu apelo começou a diminuir à medida que a discussão girava em torno da prioridade na vida pastoral. Embora Parolin seja um diplomata habilidoso, ele nunca ocupou o cargo de bispo em uma diocese.
No último dia das assembleias, conforme divulgado pelo Vaticano, um dos tópicos mais relevantes foi a crença de que “várias das mudanças impulsionadas pelo papa Francisco devem continuar a ser implementadas: a luta contra os abusos, a clareza nas finanças, a reestruturação da Cúria, a sinodalidade, o engajamento pela paz e a proteção do meio ambiente. A responsabilidade da Igreja nesses aspectos é profundamente reconhecida e coletiva”.
Prevost é, em essência, um verdadeiro “missionário”: atuou como bispo e superior geral da Ordem de Santo Agostinho por um longo período, sendo, portanto, um líder administrativo. Aos 27 anos, ele saiu dos Estados Unidos para realizar seu doutorado em direito canônico na Itália e, posteriormente, foi designado para o Peru, onde residiu por quase três décadas, das quais oito anos foram dedicados ao cargo de bispo de Chiclayo, uma diocese situada em uma região mais afastada.
Tabu superado
“Saudações ao papa dos Estados Unidos e força, Roma!”, comentou um jovem hoje no metrô, mencionando o líder religioso e o time de futebol — o novo papa, por sinal, é um admirador da Roma e tem fama de ser um excelente tenista.
Prevost possui indiscutivelmente qualidades bastante valorizadas para o papado: vasta vivência em pastoral e administração; é fluente em diversas línguas, incluindo inglês, espanhol, italiano, francês e português, e também possui habilidades de leitura em latim e alemão; tem familiaridade com diversas comunidades ao redor do globo; residiu em Roma por um longo período, sendo os últimos três anos como prefeito do Dicastério para os Bispos; e aos 69 anos, se mantiver boa saúde, poderá exercer suas funções como papa de maneira ativa por pelo menos uma década ou mais.
No entanto, existia um tabu que gerava resistência ao seu nome: o mero fato de ter vindo ao mundo nos Estados Unidos. A ideia de um papa americano era considerada impensável por diversos analistas. A Itália, que desde a Segunda Guerra Mundial se viu sob a influência da potência global, ainda luta para manter aspectos culturais e históricos que julga essencialmente seus. O papado é um desses aspectos.
Ademais, os Estados Unidos constituem uma relevante fonte de recursos para iniciativas de caridade da Igreja, o que, por sua vez, gera interferências nos processos decisórios.
Finalmente, o primeiro papa norte-americano fez sua estreia. Durante a coletiva de imprensa realizada pelos cardeais brasileiros após o conclave, questionei dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, que também preside a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-americano (Celam), sobre as reflexões dos cardeais em relação à origem do novo líder da Igreja.
Ele afirmou: “Sua herança genética é de origem francesa e espanhola, enquanto sua nacionalidade é americana; como missionário, identifica-se como latino-americano; como bispo, possui uma forte conexão com a latino-americanidade; e, na qualidade de superior dos agostinianos, adotou uma postura altamente universal. É uma honra contar com um papa que possui essa ampla perspectiva de mundo”.
´A paz esteja com todos vocês´
Na sua estreia em público, o papa Leão XIV exclamou: “Que a paz esteja com todos vocês!”, e prosseguiu: “Esta é a paz do Cristo ressuscitado, uma paz que não usa armas e que tem a capacidade de desarmar, é humilde e persistente. Esta paz é um dom que vem de Deus, que nos ama sem condições“.
A citação remete à passagem do evangelho que relata o encontro de Jesus Cristo com os apóstolos após sua ressurreição. No relato bíblico, logo após a morte de Cristo, seus seguidores estavam desanimados e perplexos, tendo acabado de perder seu líder. Quando Cristo apareceu, ele saudou dizendo: “A paz esteja convosco”, uma expressão que continua a ser utilizada nas liturgias da Igreja Católica. Essa mensagem de paz proporcionou consolo e renovada força à Igreja nos seus primeiros tempos.
Atualmente, em um mundo marcado por conflitos, o novo papa lança um chamado à paz, que define como “desarmada e desarmante”, caracterizando-a como “humilde e perseverante”. Em um momento em que a Igreja se sentia sem um guia, Francisco recordou a ocasião em que, da mesma varanda, abençoou os fiéis em uma despedida surpreendente.
Seguindo os passos de seu antecessor, Leão XIV solicitou colaboração e solidariedade em sua liderança. “Deus nos ama, e ama a cada um de vocês, e o mal não triunfará“, afirmou. “Contamos com a ajuda de todos para, juntos, construirmos conexões por meio do diálogo e dos encontros, unindo-nos para formar um povo sempre em harmonia.”
Na imagem destacada, encontro do então cardeal Prevost com estudantes de universidades católicas em Roma; o vaticanista Filipe Domingues está ao lado dele ( Foto: Divulgação/The Lay Centre)
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(*) Filipe Domingues, 38 anos, foi repórter do g1 e é jornalista especializado em Vaticano baseado em Roma, onde vive há nove anos. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde ensina Comunicação, é também diretor do Lay Centre, uma residência universitária.