Lava Jato: Polícia Federal mostra escuta ilegal contra Youssef e outros presos

Um laudo produzido pela Corregedoria da Polícia Federal (PF) confirmou que a Lava Jato grampeou ilegalmente o doleiro Alberto Youssef e outros presos da operação em uma cela da carceragem em Curitiba, em 2014. A CNN revelou com exclusividade detalhes dessa investigação.

A defesa de Youssef passou anos sem ter conhecimento do resultado dessa investigação por conta de negativas por parte do ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro.

Agora, em 2023, com o juiz Eduardo Appio no lugar de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, o doleiro teve acesso ao laudo que apontou a escuta ilegal da Lava Jato.

Nesta sexta-feira (19), uma reportagem publicada na coluna Radar da revista Veja e confirmada pela CNN revelou que a defesa de Youssef planeja acionar a Justiça Federal em Curitiba para anular as condenações do doleiro e seu acordo de delação – que foi basicamente pedra fundamental e serviu de abre–alas para a operação, em 2014.

Como a história começou

Preso em março de 2014 pela Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef fez, em setembro daquele ano, um acordo de delação premiada no qual confessou que lavava recursos de partidos – em um depoimento que levou a uma série de prisões e serviu de primeiro grande marco da operação.

No primeiro mês de sua prisão, em sua cela na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, Youssef encontrou uma “escuta ambiental” na carceragem e relatou a seu advogado.

A defesa de Youssef foi à Justiça denunciar a ação ilegal e a PF abriu sindicância.

Em uma primeira averiguação, a Polícia afirmou que aquele grampo estava esquecido na cela, inativo e havia sido colocado lá, com autorização judicial, pela ocasião de quando o traficante Fernandinho Beira-Mar ficou preso na mesma cela.

No entanto, um integrante da PF delatou que houve de fato grampo ilegal contra presos da Lava Jato, levando a Corregedoria da PF a entrar no caso.

Foi nessa segunda investigação que, com respaldo de perícia, foi confirmado que o grampo ainda funcionava e ouviu ilegalmente tanto Youssef quanto outros presos da operação naquela cela.

A CNN apurou que o laudo dessa investigação da Corregedoria da PF foi solicitado ao menos três vezes pela defesa do doleiro, mas o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, negou.

Com a saída de Moro para entrada na política como ministro do ex-presidente Jair Bolsonaro, sete anos após a Corregedoria concluir a investigação, em 2023, uma nova petição foi feita ao atual juiz responsável pelos processos da Lava Jato, Eduardo Appio.

Appio reavaliou o pedido da defesa negado anteriormente por Moro e concedeu o acesso a toda documentação que até então estava sob sigilo.

 

Detalhes da escuta ilegal da Lava Jato

Conforme reportagem divulgada pela CNN Brasil, detalhes do laudo da investigação da Corregedoria mostraram como o grampo chegou lacrado à Polícia Federal (PF).

Os policiais questionaram o perito responsável se seria possível reativar dados que por ventura tivessem sido apagados da escuta, e a possibilidade foi confirmada.

No relatório da perícia, consta o nome do arquivo recuperado da lixeira e foram apontadas as datas que indicam o início e o término das gravações.

Youssef e outros presos da Lava Jato foram monitorados entre os dias 17 de março de 2014 e dia 28 daquele mês, ou seja, doze dias.

“Faz-se necessário os seguintes esclarecimentos: no último áudio, dia 28 de março de 2014, o áudio foi interrompido prematuramente devido à descoberta do dispositivo. Tal conclusão pauta-se pelo som causado pelo manuseio do receptor por quem o encontrou”, relatou a perícia no laudo, indicando o dia em que Youssef descobriu a escuta em sua cela.

O perito responsável acrescentou ainda que “o conteúdo dos áudios possui diversas passagens que levam a interferir que os interlocutores sejam presos da operação Lava Jato, encarcerados na sela da PF no Paraná”.

 

André Catão

A perícia aponta algumas gravações específicas para corroborar a afirmação de que houve escuta contra presos da Lava Jato “acrescentando que há inúmeras outras passagens indicando ser o local das gravações a custódia da Superintendência da Polícia Federal”.

“No primeiro dia de gravações, 17 de março de 2014, alguns já se identificam como Carlos Alberto Pereira da Costa, Carlos Alexandre de Souza Rocha e Alberto Youssef. No segundo dia, dia 18, conversam a respeito dos itens apreendidos – entre eles, pinturas, canetas e bebidas –, tal fato foi noticiado na mídia naquela data”, acrescenta a investigação.

Em seguida, também aparece uma outra presa pela Lava Jato nas escutas: Nelda Kodama. “No terceiro dia, um outro preso aparece e se identifica como André Catão”, acrescenta a investigação.

O laudo da perícia foi produzido por um agente da PF em 4 de novembro de 2015, mas a apuração avançou até 2015, quando se concluiu o processo.

O documento da investigação conta com uma tabela mostrando à Corregedoria quais são os áudios captados pela escuta ilegal, uma descrição dos áudios que foram apagados, mas recuperados, além da identificação dos presos.

 

Os próximos passos de Youssef

A CNN apurou que a expectativa é de que, na semana que vem, entre terça e quarta-feira, a defesa de Alberto Youssef ingresse com o pedido na Justiça Federal para anular a delação e oficiar os responsáveis pelo grampo ilegal com base no documento da PF, que somente agora tiveram acesso.

A defesa não deve se limitar a questionar o acordo de delação, dizendo que não há como saber se as coisas que o doleiro disse não foram usadas contra ele para forçá-lo a colaborar contra a Justiça, mas também vão entrar na Justiça contra Sergio Moro, que decidiu não repassar à defesa o laudo da investigação.

Ouvida pela reportagem, a assessoria do senador Sergio Moro afirmou: “O senador Sergio Moro nega qualquer envolvimento em relação a supostas escutas ilegais.”  (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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