(*) Rodrigo Vargas – Em um Brasil que enfrenta tantos desafios — sociais, ambientais, econômicos — seria de se esperar que os representantes eleitos pelo povo e os ocupantes de cargos de Estado mantivessem, ao menos, um compromisso com a civilidade. Mas o que se viu esta semana no Senado Federal foi um triste retrato de como o debate público, muitas vezes, se desvirtua para um espetáculo de desrespeito.
A cena, amplamente divulgada, envolveu senadores da República e a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, figura histórica da política brasileira, respeitada mundialmente por sua trajetória em defesa da floresta e dos povos tradicionais. O que deveria ser um debate técnico e até mesmo ideológico sobre a pauta ambiental se transformou num duelo de provocações, interrompimentos agressivos, tons elevados e, lamentavelmente, insinuações que ultrapassam os limites da divergência política.
Não se trata aqui de tomar partido de ideias — a democracia se alimenta do confronto de visões. A ministra tem uma linha de atuação clara, e muitos senadores representam setores que se sentem ameaçados ou desconfortáveis com essa abordagem, e como sempre digo “está tudo certo”. O problema, contudo, não foi o conflito de agendas. O problema é quando o confronto de ideias cede lugar ao confronto pessoal, à grosseria, à tentativa de desqualificar não argumentos, mas pessoas. E lamentavelmente presenciamos isso mais uma vez no Congresso Nacional.
O episódio atingiu um dos seus pontos mais lamentáveis quando um senador (que não vem ao caso dar holofotes para ele), em fala amplamente repercutida, declarou que “mulher merece respeito, mas a ministra Marina Silva não”. A frase, de conteúdo abertamente misógino, reforça um padrão de comportamento que insiste em sobreviver nas estruturas de poder: a ideia de que o respeito às mulheres pode ser seletivo, condicionado a afinidades ideológicas ou à conveniência política. Não é só um ataque pessoal — é uma afronta simbólica a todas as mulheres que ocupam espaços de poder.
A liturgia do cargo — essa expressão tantas vezes repetida — não é apenas uma formalidade. Ela existe para lembrar que o Parlamento é um espaço sagrado da democracia. Que ali não se debate como se grita numa arquibancada. Que ali se diverge com firmeza, mas sem perder a compostura. O mesmo vale para quem representa o Executivo: o contraditório deve ser aceito, até incentivado, mas nunca deve ser usado como desculpa para se aceitar o desrespeito.
Nesse contexto, é importante reconhecer que até a própria ministra Marina, diante do tom ofensivo e das repetidas interrupções de alguns parlamentares, reagiu com um grau de irritação e rispidez incomuns para uma ministra de Estado. Sua postura, por vezes, transbordou da serenidade que se espera de alguém com sua experiência e relevância institucional. Embora compreensível diante dos ataques, sua reação também contribuiu para acirrar os ânimos e alimentar um ambiente de confronto que deveria ter sido evitado.
Não se pode cobrar compostura de uns e relevar em outros. O respeito deve ser mútuo. Ministros e senadores ocupam funções que exigem, acima de tudo, equilíbrio emocional, firmeza argumentativa e, principalmente, compromisso com o interesse público. A sociedade brasileira está exausta. Quer ver seus líderes discutindo soluções, não trocando insultos. Quer ver representantes que saibam ouvir, ponderar, construir pontes — não erguer muros de intolerância.
A falta de educação, quando institucionalizada, corrói a credibilidade do Parlamento, do Executivo e da política como um todo. E é por isso que episódios como esse devem ser condenados não por paixão partidária, mas por um senso mínimo de civilidade. Num país onde se cobra tanto por ética, por decência e por respeito às instituições, é preciso começar pela base: o respeito ao outro. Mesmo — e talvez principalmente — quando se discorda dele.
O Senado não é um ringue. A Esplanada não é um campo de batalha. E o Brasil não pode ser governado à base de gritos. Quem ocupa cargos de relevância tem, no mínimo, o dever de ser exemplo. Afinal, não é só política que se faz ali. É também cultura democrática. E o respeito deve ser sempre a sua primeira lição. (Foto: Reuters)
(*) Rodrigo Vargas é jornalista