Juros mais altos prejudicam mais os negros, diz estudo da USP

Pesquisa revela que aumento de um ponto percentual na Selic, aumenta o desemprego de homens negros em 1,22 pontos percentuais. Dados surgem em meio ao embate público entre Lula e presidente do Banco Central, Campos Neto, sobre a condução da política monetária

 

A política monetária de elevações na taxa de juros traz consequências negativas para a economia como o encarecimento do crédito para pessoas físicas e empresas, gerando dificuldade em investimentos e contratações. Como em um “efeito dominó”, este cenário acarreta a redução do ritmo da atividade econômica e o consequente avanço do desemprego. Ainda neste contexto, o grupo de homens negros é o mais prejudicado de acordo com o estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (USP).

As pesquisadoras Clara Brenck e Patrícia Couto avaliaram os efeitos dos aumentos na taxa básica de juros (a Selic) no desemprego, separados por gênero e raça no Brasil. Como os homens brancos tradicionalmente ocupam uma posição privilegiada no mercado de trabalho, todas as estimações foram feitas em comparação a este grupo. Elas identificaram que um aumento de um ponto percentual na Selic real, descontada da inflação, aumenta o desemprego de homens negros comparado ao de homens brancos em 1,22 pontos percentuais. Mesmo controlando a composição setorial e o nível educacional, o impacto negativo de uma política monetária contracionista é maior para os homens negros quando comparado ao efeito para os homens brancos.

“Dentre as hipóteses que nós conseguimos testar, temos, por exemplo, a questão setorial. E os homens negros estão em setores que são mais sensíveis as taxas de juros como, por exemplo, a construção civil. As taxas de juros tendem mais afetar a construção civil do que, por exemplo, a educação e a saúde onde as mulheres estão mais concentradas. Então, tem essa diferença. Mas tem também a questão da posição que eles estão no mercado de trabalho. A gente sabe que quando a gente vai para os cargos de gerência, geralmente, são pessoas brancas que ocupam esses cargos, que não são os primeiros a serem demitidos em uma situação de crise.  São esses os dois efeitos que a gente consegue medir, pela parte setorial e pela educação. Têm outros motivos que a gente não possui os dados, mas são importantes, obviamente, como a possível discriminação”, explicou Clara Brenck a reportagem do Opinião em Pauta.

Em compensação, a pesquisa avalia que as mudanças na taxa de juros não têm efeito no desemprego de mulheres negras em comparação a homens brancos. ” Isso pode ser explicado por sua posição no mercado de trabalho: a maioria das mulheres negras no Brasil está alocada em setores que não são sensíveis a mudanças na taxa de juros, como serviços de cuidado”, diz o estudo. Já para as mulheres brancas, o efeito chega a ser negativo. O aumento de um ponto percentual na Selic real chega a diminuir em 1,46 pontos percentuais o desemprego de mulheres brancas comparado com homens brancos.

“Isso fala muito da estrutura de onde estão alocadas essas pessoas por corte de raça e gênero. A gente fez questão de destacar onde estão as mulheres negras e as mulheres brancas no mercado de trabalho. A maior porcentagem de mulheres negras está no setor de cuidado,  que não é um setor tão impactado por essas altas de juros quanto, por exemplo, é o setor da construção civil, que há uma locação maior de negros em comparação a homens brancos. Então, é importante a gente destacar que a gente faz um comparativo em relação aos homens brancos. Todos sentimos um impacto da mudança da taxa de juros, mas como que isso é sentido por gênero e raça em comparação aos homens brancos”, esclarece Patrícia Couto.

Regionalidade

A pesquisa acrescenta que o impacto das políticas monetárias sobre gênero e raça pode variar mais entre as regiões. Homens negros e mulheres negras somam aproximadamente 70% do mercado de trabalho do Norte e Nordeste, enquanto Sul, Sudeste e Centro-Oeste possuem uma menor participação de negros no mercado de trabalho — uma média de 43%. “Esse efeito negativo é maior para os homens negros quando em comparação aos homens brancos, especialmente nas regiões com menor população negra. Ele só acontece, por exemplo, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No Norte e Nordeste essa diferença não aparece. Têm estados do Norte e Nordeste que chega a ter quase 80% da população negra. Quando vai para o Sul, essa margem é de 20%. Outro motivo é que o Norte e Nordeste ainda concentram muito mais a agricultura, enquanto a indústria, que é muito sensível à elevação das taxas, está mais concentrada no Sul e Sudeste”, anota a pesquisadora Clara Brenck.

Embate Lula x Banco Central

Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores (PT) criticaram a condução da política monetária por parte do presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, e a taxa de juros básica da economia, atualmente em 13,75% ao ano. Enquanto Lula argumenta que os juros estão estrangulando a economia, Neto defende o mandato do BC de perseguir a meta de inflação do país, estabelecida a 3,25% para 2023, com teto de 4,75%. As pesquisadoras afirmam que diante do atual cenário de aumento da taxa de juros para o controle da inflação, a discussão dos efeitos adversos de políticas monetárias precisa ser ampliada e melhor explorada.

“A gente entende que o Brasil só terá políticas públicas eficientes se colocar no centro das discussões a questão da desigualdade social e como a taxa de juros impacta em cada porção da sociedade. Essa é uma discussão nova. É mais um início de debate para esse cenário de taxa alta de juros que deve ficar por um tempo. Nossa intenção é chamar a atenção para isso, um país como o Brasil, com alto índice de desigualdade, tem que considerar o impacto dessa política para os diferentes grupos demográficos e regiões”, defendeu Patrícia Couto.

“A nossa conclusão é que o combate às desigualdades e macroeconomia não podem ficar separados neste debate. A gente traz mais perguntas do que respostas, mas mostramos que existe o impacto e que precisamos, agora, pesquisar mais para encontrar as soluções”, finaliza Clara Brenck.

Pesquisadora Clara Brenck
Pesquisadora Patrícia Couto

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