O provável julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2025 começa a colocar em debate nos meios jurídicos as teses que serão confrontadas pela acusação e pela defesa.
O principal questionamento que deverá ser feito é em torno do alcance do artigo 359-L do Código Penal.
O artigo trata “Dos Crime Contra as Instituições Democráticas” e descreve como crime de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito” o ato de “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
A pena prevista é de 4 a 8 anos de prisão, além da pena correspondente à violência.
Desde o início da investigação, a defesa de Bolsonaro afirma que o artigo não pode ser aplicado no caso dele porque não houve execução do golpe.
A leitura baseada na doutrina penal e que deverá ser utilizada na defesa perante o STF é a de que o caminho do crime tem quatro fases:
1) Cogitação, que seria o momento de idealização do crime e do seu desenvolvimento intelectual;
2) Atos preparatórios, que seriam os atos para preparar o projeto criminoso, o que inclui obtenção de meios de execução, como armas, veículos, preparação de esconderijos etc.; e de informações como localização geográfica, itinerários, rotinas etc.;
3) Atos executórios, que seriam os atos que configurassem o início da atividade criminosa propriamente dita. Aqui, segundo o entorno de Bolsonaro, considera-se, tecnicamente, o início de execução quando o agente perpetra, ainda que parcialmente, a ação descrita no tipo penal.
A defesa de Bolsonaro entende que no caso dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, é necessário o início de uma ação violenta ou de grave ameaça, já que a descrição dos delitos é vinculada e esse tipo de ação.
4) Consumação, que seria a etapa final do delito e se caracteriza quando o agente realiza todos os elementos do enunciado do tipo penal.
A defesa de Bolsonaro vai alegar que, no sistema jurídico brasileiro, a cogitação e os atos preparatórios são penalmente impuníveis e que a atuação da Justiça Criminal se dá apenas com o início de execução, tendo em vista que só a partir daí o bem jurídico penalmente tutelado passa a ser concretamente ameaçado.
Atos executórios ou preparatórios.
A ex-deputada e professora de direito penal da USP Janaína Paschoal se posicionou nas redes sociais nessa linha ao tratar do plano de execução de autoridades que, segundo a Polícia Federal, o grupo acusado de golpe de Estado tramou.
“Não houve tentativa! Para ter tentativa, é preciso ter início da execução! Mesmo quando se inicia a execução (o que não ocorreu no caso), a desistência voluntária descaracteriza a tentativa. Por óbvio, o tal plano precisa ser investigado. Mas não dá para dizer que houve tentativa de homicídio do presidente!”, escreveu.
A tese, porém, não é conclusiva no meio jurídico e a inexistência de julgamentos semelhantes anteriores dificulta um consenso pois não há jurisprudência nos tribunais sobre esse tipo de crime.
Segundo informa a CNN, um dos principais advogados criminalistas do país, Alberto Toron considera que, se o artigo do Código penal fala em tentar, já é possível condenar sem a execução do crime.
“Se o artigo de lei fala em tentar, a simples tentativa já é considerada a consumação da infração porque o legislador, nesses casos, deu importância à proteção do bem jurídico que é o próprio Estado Democrático de Direito. Ele antecipa a consumação dada a importância do bem jurídico. Por isso que ele fala em ‘tentar’ no título”, disse Toron.
Para ele, um outro debate provável do julgamento é se o que as investigações mostraram até agora se configuram atos executórios ou preparatórios.
“Os atos preparatórios são impuníveis. A pergunta é: estávamos diante de atos preparatórios ou executórios? Se forem executórios o crime será considerado”, disse.
Para ele, pelo que foi publicado até agora, o crime está configurado.
Tentativa de Golpe
“Com a mera tentativa a tentativa o executor já antecipou o tipo penal”, declarou.
O juiz de direito do Fórum João Mendes e professor-doutor da USP Guilherme Madeira acrescenta que o Código Penal dá especial importância a crimes que de tão graves a mera tentativa já é passível de punição.
“Tem condutas que são tão graves que se antecipa o momento da punição. São os ‘crimes de perigo’. É esse o caso do artigo 359-L . É um crime de atentado porque o crime consumado significa que o golpe deu certo”, disse.
Para ele, com base no que foi publicado até agora sobre a investigação, é possível falar em tentativa de golpe.
“Com base em tudo o que foi visto até agora daria sim para caracterizar. Tem que olhar o todo e o todo me parece que o 359-L não pode ser dissociado dos atos de 8 de janeiro. E me parece que vão surgir provas unindo tudo”, disse.
Ele coloca, ainda, um outro debate que deve surgir: se houve ou não a chamada “desistência voluntária”.
O mecanismo está presente no artigo 15 do Código Penal e estabelece que “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.
“Aí tem que saber o que levou ao abortamento da ação. No meu ver, dependendo do que aconteceu, pode ter o crime em si. E admitindo que eles tenham praticado os atos executórios é preciso entender o que os levou a abortar da ação criminosa. Dependendo disso, tem desistência voluntária que afasta o crime”, afirmou. (Foto: Reprodução)