“O crime é o conjunto da obra. Isso é um crime de empreendimento. São crimes complexos, em que cada um faz uma coisa, mas que não é isolada. Ninguém foi condenado só por pichar, por exemplo. É nesse sentido que se cria uma espécie de lenda urbana de que a dosimetria está errada. Alguém pode achá-la forte ou exagerada, mas ela não foge ao padrão. São crimes que, somados, dá 14, 15 anos [de prisão]. Um deles é a tentativa de golpe de Estado, em que os planejamentos já são a própria consumação. O senso comum confunde esse crime com outros”.
Afirmação acima é do jurista Lênio Streck, em entrevista ao UOL News, ao contestar e dizer que é uma lenda urbana a ideia de que há exagero nas punições impostas aos envolvidos nos atos golpistas de 8/1, já que as penas aplicadas obedecem a um padrão.
A questão da dosagem das penas para os envolvidos em atos golpistas voltou a ser debatida com o caso da cabeleireira Débora Rodrigues Santos, que deixou a inscrição ‘Perdeu, mané’ em batom vermelho na estátua da Justiça. O ministro do STF [Supremo Tribunal Federal] optou por condená-la a 14 anos de prisão, argumentando que a ação não foi uma simples pichação, mas sim um ato relacionado a uma tentativa de golpe.
Streck considera que é complicado realizar uma reavaliação das sentenças de indivíduos já condenados, mesmo que as sanções para os próximos acusados sejam baseadas em padrões diferentes.
“Se nesses casos de agora a pena for aplicada de forma diferente, os [condenados] de lá atrás têm uma chance de tentar que o Supremo dê um habeas corpus de ofício, reduzindo a pena ou algo desse tipo. É difícil. Os que já transitaram em julgado não têm o que fazer.Se o Supremo mudar seu entendimento, por exemplo, com relação à soma do crime de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito e não mais fizer mais concurso material, mas sim formal, portanto, diminuindo a pena desse tipo, talvez os de trás pudessem ser beneficiados. Não creio que o Supremo fará isso. Isso é técnica jurídica. O STJ [Superior Tribunal de Justiça], o próprio Supremo e os tribunais de todo o Brasil fazem todos os dias isso o que o Supremo fez nesse caso. A diferença é que agora chamou a atenção e tem-se a impressão de que, ao cortar em fatias o imbróglio todo, há uma impressão da injustiça”, concluiu o jurista. (Foto: Reprodução)