Juiz que negou pedido de advogada que faltou audiência para dar à luz é investigado

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu, nesta quarta-feira (11), uma reclamação disciplinar para apurar a conduta do desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho, do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), sediado em Belém (PA).

O magistrado afirmou que “gravidez não é doença” ao rejeitar pedido de uma advogada que precisou se ausentar de uma audiência para dar à luz.

– Des. Georgenor de Souza: “Excelência, eu queria ser bastante prático. Há um pedido. Vossa Excelência defere ou nega?”
– Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Eu vou deferir o pedido”.
– Des. Georgenor de Souza: “Para adiar o julgamento?”
– Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Excelência, ela [a advogada] pediu sustentação oral…”
– Des. Georgenor de Souza: “Não, como dizia Magalhães Barata, que foi governador do Pará, gravidez não é doença  que adquire-se por gosto” (sic).
– Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Sim, Excelência. Não é doença, mas é um direito que a…”.
– Des. Georgenor de Souza: “Mas ela não é parte no processo, é apenas advogada no processo”.
– Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Ela tinha pedido sustentação oral, Excelência”.
– Des. Georgenor de Souza: “Mandava outro substituto, isso é a coisa mais simples que tem. São mais de dez mil advogados em Belém, e acho que todos têm a mesma qualificação que a Dra. Suzane Teixeira”.

O CNJ vai apurar eventual descumprimento dos deveres da magistratura pelo desembargador. Pela legislação, um processo deve ser suspenso quando a advogada estiver em período de parto, quando for a única patrona da causa.

O episódio ocorreu nessa terça-feira (10) durante sessão da Quarta Turma do tribunal. No entendimento de Georgenor, o processo não poderia ser adiado porque a advogada não era parte na ação, mas apenas uma das profissionais que atuaram na causa, podendo ser substituída.

O caso chegou ao conselho a partir de uma representação protocolada por quatro conselheiros do órgão. O documento, direcionado à Corregedoria-Geral do TRT da 8ª Região, dá prazo de cinco dias para intimar o desembargador e, 15 dias, para que ele apresente defesa diante de possível abertura de Processo Administrativo Disciplinar.

Quem assina é o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça. Na decisão consta que o desembargador e presidente da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8º Região (Pará e Amapá) “pode, em princípio, ter violado deveres inerentes à magistratura, dentre os quais o dever de urbanidade para com os colegas e partes, além de possível inobservância de direitos processuais próprios das advogadas em período de parto”.

O TRT da 8º Região lamentou o ocorrido e manifestou respeito pela advocacia e por suas prerrogativas, em especial das mulheres.

“Revendo novamente a filmagem, verifiquei que minha manifestação foi profundamente indelicada e infeliz, e gostaria de oferecer minhas mais sinceras desculpas não somente à Dra. Suzane Odane Teixeira Guimarães, mas a todas as Sras”, disse Georgenor Filho em pedido de desculpas publicado nas redes sociais do TRT.

Conforme o magistrado, em mais de 40 anos de magistratura e com a dedicação de outros mais de 40 anos também ao magistério superior, impossível não cometer erros, “mas imprescindível reconhecê-los para podermos seguir a eterna estrada do aprendizado”.

“Quem me conhece minimamente sabe que sou fervoroso e permanente defensor da mulher e seus direitos. Reitero-me firmemente minhas desculpas a Dra. Suzane Odane Teixeira Guimarães”, completou.

Também em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Pará informou que o bebê de Suzane nasceu na última sexta-feira (6) e estava hospitalizado, e a mãe em puerpério.

“Seu parto estava previsto para ocorrer no mesmo dia da referida sessão de julgamento, tendo inclusive ocorrido de forma antecipada”, pontuou a instituição.

“O lamentável episódio evidencia a banalização da discriminação de gênero, inclusive no âmbito do sistema de Justiça. As falas do desembargador são preocupantes, ao desprezar o contexto de puerpério na atuação de uma colega mulher, desconsiderando que mulheres são maioria na advocacia no estado e no país”, reiterou a Ordem. (Foto: Reprodução)

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