A Promotoria denunciou sete funcionários do gabinete, mas defendeu o encerramento da apuração sobre o vereador, “filho 03” do ex-presidente Jair Bolsonaro
O juiz Thales Nogueira Cavalcanti Venancio Braga, da 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, devolveu nesta quinta-feira (12) ao Ministério Público fluminense o inquérito sobre uma suposta “rachadinha” no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PL).
O órgão denunciou sete funcionários do gabinete, mas pediu o arquivamento da apuração contra o filho de Jair Bolsonaro (PL), por não ter sido possível “identificar nenhum indício de crime, apenas uma infração administrativa”. O magistrado, porém, apontou “diversas inconsistências formais e jurídicas” e afirmou não ser possível decidir se aceita as denúncias e encerra o restante da investigação.
“As inconsistências encontradas indicam contradições com a própria linha investigativa, que devem ser esclarecidas para a correta apreciação dos requerimentos formulados”, escreveu o magistrado. Os detalhes da decisão foram revelados pelo jornal O Globo.
O promotor Alexandre Graça apresentou na quarta-feira (11) denúncia contra sete funcionários de Carlos sob acusação de integrarem um esquema de “rachadinha” liderado por Jorge Fernandes, chefe de gabinete do vereador.
A apuração contra o filho do ex-presidente foi arquivada sob a justificativa de que não foi identificada irregularidade na movimentação financeira dele.
Braga afirmou ser contraditório o fato de o promotor ter apontado inexistência de crime por parte de Carlos na manutenção de “funcionários fantasmas” no gabinete e, ao mesmo tempo, considerar a prática indício de improbidade administrativa.
“Com a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, deixou de existir o ato de improbidade culposo. Nessa linha de raciocínio, o promotor teria afirmado que há indícios de dolo (consciência e vontade) do parlamentar em permitir a existência de ‘funcionários fantasmas’ em seu gabinete sem que tenha recebido qualquer vantagem”, escreveu Braga.
De acordo com o magistrado, o Código Penal “permite a tipificação daquele que concorre para que seja subtraído em proveito próprio ou alheio”, prevendo “a modalidade de concorrência culposa para peculato de outrem”. “Pelos fundamentos dúbios adotados no sentido da existência de indícios de improbidade administrativa, deveria o Ministério Público manifestar-se expressamente pelo arquivamento, ajuizamento de ação penal ou desmembramento da investigação quanto aos delitos”, afirmou.
O juiz também afirmou que Graça não realizou diligências recomendadas pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP-RJ. Entre elas, está a requisição de informações para esclarecer o pagamento de boletos em nome do vereador. A decisão também aponta que o procedimento incluiu reportagens sobre Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL), na qual ele relata a prática da “rachadinha” da família Bolsonaro.
O juiz destaca o fato de que, apesar das matérias, não há qualquer dado que indique o que foi feito com aquelas informações. “A informação juntada por ordem do promotor resta perdida nos autos”, afirma.
Braga também afirmou haver contradição no embasamento dado para o encerramento da investigação contra Carlos. A promoção de arquivamento, num trecho, fala em atipicidade (inexistência de tipo penal para definir determinada prática), em outro aponta falta de provas.
“O arquivamento baseado na atipicidade da conduta configura coisa julgada material e, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, produz a chamada coisa julgada material e impede a reabertura do procedimento a qualquer tempo, mesmo diante de novas provas”, afirmou o juiz.
O magistrado também apontou lacunas na descrição da suposta organização criminosa liderada por Jorge Fernandes, chefe de gabinete de Carlos. De acordo com o promotor Alexandre Graça, responsável pela investigação, a apuração não identificou transação financeira irregular envolvendo Carlos. A possível existência de “funcionários fantasmas” no gabinete, para ele, não se configura como crime, mas uma infração administrativa.
A investigação apontou que houve o desvio de R$ 1,7 milhão do gabinete. “Confio em todos os meus funcionários e tenho absoluta certeza que todos os envolvidos demonstrarão a fragilidade da acusação e suas inocências”, disse Carlos após a denúncia da Promotoria na quarta.
Investigação
A investigação contra Carlos foi aberta após uma reportagem do jornal Folha de São Paulo revelar em 2019 a existência de uma “funcionária fantasma” no gabinete do vereador. A Justiça autorizou em maio de 2021 a quebra de sigilo bancário de 25 servidores ou ex-servidores da Câmara, e de cinco empresas, para apurar a prática de “rachadinha”. Uma das suspeitas era o uso de dinheiro vivo para dificultar o rastreamento do esquema.
Em maio outra reportagem da Folha de São Paulo mostrou o laudo feito pelo Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério Público indicava uma movimentação financeira que dificultava as investigações. Segundo o documento, Carlos sacou R$ 1,98 milhão de sua conta entre 2005 e 2021. O valor corresponde a 87% do total recebido em salário da Câmara Municipal no período.
Formavam o grupo, de acordo com a investigação: Juciara da Conceição Raimundo da Cunha, Alexander Florindo Baptista Junior, Thiago Medeiros da Silva, José Francisco dos Santos, Andrea Cristina da Cruz Martins e Regina Célia Sobral Fernandes, além de Jorge Fernandes. Todos os envolvidos foram nomeados para cargos de assessoria no gabinete de Carlos Bolsonaro no período investigado.
(Foto: Sérgio Lima/Poder360)