Ana Gabriela Sales – Os conflitos de interesses envolvendo a indústria da delação premiada na Lava Jato já é de conhecimento público.
A novidade é que um dos réus da operação decidiu denunciar o advogado Rodrigo Castor de Mattos, irmão do procurador de Curitiba Diogo Castor de Mattos, por ter assumido sua defesa ao mesmo tempo em que o familiar trabalhava do outro lado do balcão, na acusação.
A denúncia feita pelo réu da Lava Jato à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, coloca a credencial do advogado Rodrigo Castor de Mattos em xeque.
Seu irmão, Diogo Castor, recebeu pena de demissão do Conselho Nacional do Ministério Público em outro caso.
Declarando-se vítima de uma prisão ilegal e desnecessária na Lava Jato, o empresário Eduardo Aparecido de Meira – usado pela força-tarefa para tentar atingir José Dirceu – alegou que só percebeu que “não teve defesa” depois de mais de 288 dias de prisão a mando de Sergio Moro.
Meira foi preso na 30ª fase da Lava Jato, denominada Vício.
Um dos alvos era a sua empresa, a Construtora Credencial, que prestava consultoria a fornecedoras de tubos à Petrobras. Segundo as investigações, a organização servia de fachada e intermediava pagamento de propina em dois contratos com a estatal, beneficiando José Dirceu.
Quando foi preso e levado para Curitiba, Meira dispunha de advogados em São Paulo, local onde residia. Segundo o relato exclusivo de Meira ao GGN, estes defensores trouxeram para a defesa o advogado Rodrigo Castor de Mattos e sua irmã, Analice Castor de Mattos, sob a justificava que “eram especialistas em Sergio Moro“, ou seja, em acordos de delação.
Meira afirmou que só descobriu que Rodrigo Castor de Mattos era irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato, quando saiu da cadeia e teve acesso a reportagens e documentos revelados na série de reportagens batizadas de Vaza Jato. Ali, Meira sentiu que, na prática, “não teve defesa“.
O contato
Na denúncia, Meira contou como foi o primeiro encontro com Rodrigo Castor de Mattos, ainda na prisão em Curitiba, e como sentiu-se pressionado a fazer um acordo de delação premiada.
“Em 2016, um advogado chegou acompanhado do sócio no parlatório da Polícia Federal. O nome desse advogado é Rodrigo Castor de Mattos. O sócio dele, Juliano Campelo Prestes. Eles vieram me propor delação, se não, eu não sairia de lá. Essa era a pressão, total psicológica, uma tortura configurada (…) porque preso preventivamente não sabe quando vai sair“, relatou Meira.
Mesmo sem concordar com a delação, Meira continuou sendo representado por Rodrigo Castor de Mattos e outros advogados paulistas, em recursos levados aos tribunais superiores.
Só após sair da prisão, Meira recolheu evidências de que o procurador Diogo Castor de Mattos fora destacado pelo então chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, para cuidar da denúncia envolvendo a sua empresa, a Credencial.
“Quando eu saí da cadeia, fiquei lendo tudo o que aconteceu na Lava Jato. Em uma noite, encontrei um texto. Deltan Dallagnol estava designando as funções para os procuradores. No final deste parágrafo, lá embaixo, escrito em meia linha que foi cortada, está: Diogo assumiu Credencial – que era minha empresa. Tinham dois irmãos: um me defendendo, e outro me atacando“, apontou.
Representação
Em abril de 2022, Meira, por meio do advogado Túlio Denig Bandeira, apresentou uma representação à Comissão de Fiscalização do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB do Paraná contra Rodrigo Castor de Mattos, “em razão do exercício ilegal da profissão”.
No documento, Meira argumenta que “além da infração ética, poderia, em regra, o Dr. Rodrigo, incorrer também em crime de patrocínio infiel”, uma vez que, de acordo com o artigo 133 da Carta Magna, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Um ano depois, em abril de 2023, a defesa de Meira fez uma emenda à representação. O GGN apurou que a ação na OAB-PR tramitam em sigilo. Procurada, a instituição não ofereceu informações sobre o andamento processual.
O futuro de Castor
Pelas regras, as turmas de Ética da OAB ficam encarregadas pelo processo, julgamentos e sanções impostas. Cabem recursos até o limite do Conselho Federal.
Segundo o jurista Arnobio Rocha, que foi vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, “o tempo médio de tramitação destes processo é de três anos, podendo variar para mais ou para menos”.
Rocha explicou à reportagem que, em geral, a suspensão da inscrição de advogado só acontece após três condenações pelo Tribunal de Ética. Contudo, a depender da gravidade do caso, a credencial pode ser suspensa já na primeira condenação.
Outro lado
Rodrigo Castor de Mattos foi procurado pela reportagem para se manifestar sobre o caso, mas não respondeu as solicitações.
Os advogados paulistas que compartilharam a defesa de Eduardo Meira com o advogado curitibano Rodrigo Castor de Mattos, irmão de um procurador da Lava Jato, não quiseram comentar o assunto.
Na imagem, os irmãos Castor de Mattos. ( Fotos: Arquivo pessoal)