Por Henrique Acker – Por três vezes a Rússia foi alvo de invasões e conflitos em seu território por tropas de países da Europa em pouco mais de 200 anos. No mesmo período, não há registros de que governos russos ou da ex-URSS tenham investido militarmente contra a Europa.
Se há quem busque sustentação na História para justificar a corrida às armas para prevenir uma possível invasão russa da União Europeia, com o plano “ReArmar a Europa”, não vai encontrar argumentos muito sólidos em seu favor. A não ser a necessidade de carrear enorme quantidade de recursos públicos para a indústria armamentista.
Ainda que se considere a ocupação da Hungria (1956) e da Tcheco-Eslováquia (1968) por tropas soviéticas, esses episódios se inscrevem no contexto da chamada Guerra Fria. Naquele período – 1945 até 1991 – a Europa era dividida em duas grandes áreas de influência entre a então URSS (Tratado de Varsóvia) e os EUA (Tratado do Atlântico Norte). As tropas soviéticas já estavam estacionadas em território húngaro e tcheco.
No mesmo período, em nome da “democracia” e da “liberdade”, os EUA e seus aliados europeus estiveram envolvidos em inúmeros conflitos militares, golpes contra governos legitimamente eleitos e boicotes econômicos a países e povos considerados “inimigos” nos cinco continentes.
Sem evidências
O máximo que se pode imaginar é que a ameaça de instalar armas de longo alcance na fronteira da Rússia pode levar Moscou a reagir, da mesma maneira que fez contra a Ucrânia. É bom lembrar que Suécia e Finlândia, países com fronteiras com a Rússia, aderiram recentemente à OTAN, o que amplia em muito as tensões.
Ainda que haja a hipótese de conflitos, eles devem se restringir às fronteiras. Não se conhece nenhum trabalho sério e consistente que justifique a necessidade da corrida às armas pela União Europeia, com base num plano de expansão ou invasão russa da Europa.
Os três anos de invasão da Ucrânia demonstram que o atual poderio militar russo não é suficiente para obter vitórias avassaladoras e conquistas territoriais de grande alcance.
No entanto, em audiência no parlamento alemão, em outubro de 2024, Bruno Kahl, chefe do serviço de inteligência estrangeira da Alemanha, alertou que “o confronto militar direto com a OTAN se tornou uma opção para Moscou”.
O objetivo final do presidente russo Vladimir Putin, segundo Bruno Kahl, seria “expulsar os EUA da Europa” e restaurar as fronteiras da OTAN do final da década de 1990. Ainda de acordo com Kahl, assim seria criada uma “esfera de influência russa”, estabelecendo uma “nova ordem mundial”.
No entanto, Kahl não apresentou qualquer evidência concreta de que a Rússia esteja se preparando para um confronto com a OTAN até 2030, como noticiou a mídia ocidental.
Dinheiro não falta
Os países europeus membros da OTAN já somam uma despesa militar anual 3,5 vezes superior à russa, só ultrapassada pelos Estados Unidos da América. Entre 2021 e 2024, os gastos com a defesa na UE aumentaram mais de 30%. Já os gastos com defesa sem OTAN foram de 326 bilhões de euros, segundo o Conselho Europeu.
Um estudo de 2025 do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) indica que dois terços das armas compradas pelos países europeus vêm agora dos Estados Unidos. As armas importadas aos EUA mais do que duplicaram entre 2020 e 2024. Há bases militares e ogivas nucleares norte-americanas em todo o território europeu.
Em 2023, os Estados-membros da UE emitiram 33.700 licenças para exportação de armas, representando 1/4 das exportações globais. Só a França cresceu 47% nas exportações e tornou-se o segundo exportador mundial.
Além de contar com 1,5% do orçamento de cada membro da UE, o plano “ReArmar a Europa” autoriza os governos dos 27 países a desviar para as despesas militares verbas destinadas aos fundos de coesão, destinadas a investimentos sociais. Serão 800 bilhões de euros investidos em armas, sem passar pela autorização e controle do Parlamento Europeu.
Invasões europeias da Rússia
Por conta do desrespeito ao Bloqueio Continental à Inglaterra, decretado por Napoleão Bonaparte em 1807, a França decidiu mobilizar um exército de mais de meio milhão de soldados para invadir a Rússia e forçar o czar Alexandre I a se aliar aos franceses contra os britânicos.
A invasão da Rússia durou de junho a dezembro de 1812, com uma retirada desastrosa das tropas francesas. Dos 660 mil homens mobilizados por Napoleão entre diversos países da Europa – metade dos quais franceses – restaram apenas 27 mil. Os russos perderam 210 mil soldados, cidades foram arrasadas e Moscou foi incendiada por ordem do czar.
Um século antes, em 1709, tropas do imperador da Suécia foram dizimadas pelo frio e a fome em território russo, no que ficou conhecido como a Grande Guerra do Norte. Comandado por Pedro, o Grande, o exército russo saiu vitorioso, decretando o declínio do até então poderoso Império da Suécia e a ascensão da Rússia como uma nova força militar mundial.
Guerra civil
Após a vitoriosa revolução socialista de outubro de 1917, setores descontentes com o novo poder, sobretudo donos de terras, oficiais do exército imperial russo, monarquistas, liberais e as elites de regiões vizinhas à Rússia soviética, decidiram empreender uma campanha militar para a derrubada do governo de operários e camponeses.
Dois fatores que possibilitaram a união de diversos setores contra os bolcheviques foram a dissolução da Assembleia Constituinte, ainda em 1917, e a assinatura do armistício entre o novo governo e a Alemanha, em 1918.
Desde o início do conflito, houve ingerência de potências estrangeiras contra o Exército Vermelho, organizado pelo governo dos bolcheviques. Tropas britânicas, francesas, americanas e japonesas participaram de combates em diferentes regiões do território russo.
Os japoneses, por exemplo, invadiram território no Extremo Oriente. Os britânicos invadiram territórios russos na região da Ásia Central, e os franceses enviaram tropas para a região da Crimeia. Ao final de 1921, a vitória do Exército Vermelho consolidou o novo governo socialista, mas ao custo de 5 a 10 milhões de vidas e de uma economia completamente arrasada.
A invasão nazista
Depois da anexação da Áustria e da Tcheco-Eslováquia, da invasão da Polônia, da ocupação da Holanda e da Bélgica e da rendição da França, Adolf Hitler decidiu empreender a campanha militar contra a URSS, em 1941, conhecida como Operação Barbarossa.
Os nazistas empregaram cerca de quatro milhões de soldados alemães e de seus aliados, centenas de milhares de tanques, aviões e equipamentos de guerra em território soviético. Os objetivos eram claros: alcançar e explorar os campos de petróleo da URSS e rapinar a produção agrícola em favor de sua máquina de guerra.
A URSS, que além da Rússia era formada por outras 15 repúblicas, perdeu 26,6 milhões de habitantes, ou seja, mais de metade de todas as mortes da II Guerra Mundial, que somam cerca de 50 milhões. Só nos territórios ocupados, as tropas nazistas exterminaram mais 11 milhões de pessoas, das quais 7 milhões de civis.
Ao fim da guerra, as tropas soviéticas infligiram inúmeras derrotas inimigas até Berlim, o que levou à rendição da Alemanha e ao fim do regime nazista, em 8 de maio de 1945.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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