Por Henrique Acker – Ao contrário do que afirmam analistas conservadores, o conflito na Ucrânia não é entre democracias e ditaduras, ou liberdade e autoritarismo. A guerra se dá no marco da polarização entre potências em decadência e ascensão, na disputa pela hegemonia do sistema capitalista internacional.
De um lado estão os EUA e a União Europeia (UE), que prezam pela supremacia do capital financeiro e especulativo. Do outro a Rússia, que participa de um bloco com países do sul global, capitaneado pela China, potência em ascensão, com seu ambicioso projeto de uma Nova Rota comercial que a ligaria a todos os continentes.
Nesse artigo, vamos pontuar os interesses dos países e blocos diretamente envolvidos no conflito e as consequências geopolíticas da Guerra da Ucrânia.
. Ucrânia – Ao contrário de toda a demagogia da administração Biden e dos dirigentes da União Europeia, o que se passa na Ucrânia é uma cortina de fumaça para um rearranjo geopolítico, na tentativa de criar um cerco econômico e militar à Rússia, o que teria consequências para as pretensões expansionistas da China.
De acordo com a situação atual no terreno de batalha – francamente favorável à Rússia – qualquer negociação de paz exigirá da Ucrânia ceder parte do seu território de fronteira com a Rússia e assegurar que não haverá armas e nem tropas da OTAN no país.
A iminência de uma derrota militar e política, levou Volodomyr Zelensky a pressionar os EUA e a UE a permitirem o uso de mísseis de médio e longo alcance contra território russo. A resposta de Putin foi o lançamento de um míssel balístico com capacidade para disparar ogivas nucleares. Os dirigentes da UE devem usar este fato para pressionar Trump a fortalecer a OTAN e manter o apoio financeiro e de armas para a Ucrânia.
. Rússia – A invasão da Ucrânia precipitou a adesão da Suécia e da Finlândia (1.313 km de fronteira com a Rússia) à OTAN, aumentando o cerco militar e político ao território russo. Portanto, o argumento usado por Putin para justificar a entrada na Ucrânia teve efeito contrário. Agora há mais países com bases militares, armas e tropas da OTAN às portas de seu território.
O governo Putin foi forçado a reestruturar seus planos estratégicos econômicos e militares, aproximando-se da China, do Irã e de outros países visados pelos EUA e UE. Os laços comerciais com a Europa e os EUA ficaram obstruídos, o que forçou Moscou a aprofundar novas parcerias através do BRICS e buscar novos aliados também na África.
Não está dado que Putin e Trump terão uma convivência fácil, até porque a guerra precipitou uma aproximação econômica e política da Rússia com a China, alvo principal da administração Trump.
. EUA – Como superpotência econômica ameaçada pelos avanços da China, os EUA recuperaram fôlego com a guerra da Ucrânia. O financiamento do governo dos EUA do conflito revigorou a indústria de armas e unificou seus aliados europeus em torno da OTAN, máquina de guerra que unifica 33 países.
A guerra da Ucrânia levou a um compromisso orçamentário dos aliados dos EUA com o financiamento e o revigoramento da OTAN. Resta saber o que o novo governo Trump pretende anunciar em relação à OTAN daqui por diante.
Novos acordos militares foram estabelecidos, sobretudo na frente oriental, com uma aliança dos EUA, Reino Unido, Austrália, Japão, Coréia do Sul e outros países da região para fazer frente à China. Trump já anuncia uma forte taxação dos produtos chineses no mercado estadunidense.
. União Europeia – Ao se subordinar por completo à lógica política e militar dos EUA, através do financiamento do esforço de guerra da Ucrânia e da adoção de sanções econômicas contra a Rússia, a UE colheu inflação, juros altos, recessão e crise econômica.
A crise atinge em cheio a Alemanha e a França, principais economias da UE. Como consequência política, o que se vê é o crescimento da extrema-direita em toda a Europa e no próprio parlamento europeu. A próxima batalha política será em fevereiro, na Alemanha.
As promessas do governo Trump de taxação em torno de 10% dos produtos europeus pelo novo governo e de acabar com a guerra da Ucrânia, ameaçam em cheio as metas da UE. O plano de recuperação da economia da Europa, aprovado recentemente, está voltado justamente para o incremento dos setores de tecnologia de ponta e de armamentos, áreas que deverão sofrer um baque com as medidas anunciadas por Trump.
. China – Como potência econômica em ascensão, a China estabelece uma relação política cautelosa no conflito da Ucrânia. Ao mesmo tempo que compra grande parte da produção russa de petróleo, o que ajuda a financiar a economia de guerra de Moscou, Pequim atua com prudência, sem fornecer armas e propondo um acordo de paz para o conflito.
O governo chinês sabe que o objetivo estratégico dos EUA é manter-se como potência hegemônica mundial e que isso só é possível pelo controle econômico, com a indústria de alta tecnologia, que gera lucros estrondosos e, ao mesmo tempo, controle no campo das ideias, através das chamadas redes sociais. Portanto, a única forma de se contrapor às pretensões de Washington é expandir a produção e os negócios em outros continentes.
Além de financiar a construção de infraestruturas básicas (portos, armazéns, aeroportos, etc) na América Latina e África, a China consolida relações econômicas e políticas através do BRICS, oferecendo como alternativa à financeirização da economia a chamada “Nova Rota da Seda”, que visa a expansão de sua relações comerciais mundo afora.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)