Interesses das grandes potências podem causar novas guerras na África

Depois da Ucrânia e do Oceano Pacífico, uma nova frente de conflito internacional pode se abrir entre os dois blocos que disputam a hegemonia econômica e militar mundial: a região africana das ex-colônias francesas, que inclui o Sahel e a antiga região da África Equatorial Francesa.

Um levante militar no Níger, no final de julho, derrubou o governo aliado dos EUA e da França, acendendo o sinal de alerta na região. Agora, no final de agosto, militares do Gabão destituíram o Presidente Ali Bongo, reeleito para o terceiro mandato consecutivo, sob uma chuva de denúncias de fraude.

Em resposta, os países membros da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) reuniram-se, exigindo a imediata restauração do governo deposto no Níger. Os países da União Europeia também já manifestaram sua preocupação com a deposição de Bongo, no Gabão, e com o que dizem ser as “instituições democráticas” naquele país.

Com o apoio dos governos dos EUA e da União Europeia, a CEDEAO decidiu por uma intervenção militar no Níger, caso suas exigências não sejam cumpridas. No entanto, não encontra consenso e nem forças para a empreitada, que pode representar um confronto de grandes proporções envolvendo diversos países da região.

O Sahel, que em árabe significa “a costa” , constitui uma extensa área que atravessa 6.000 quilômetros entre a África Oriental e Ocidental, abrange múltiplos sistemas geográficos e agroecológicos, 12 países e abriga 400 milhões de pessoas. A região é formada por nações que foram colônias francesas até o final da II Guerra Mundial.

França e Estados Unidos, de um lado, Rússia e China, de outro, cada qual com seus interesses e seus aliados na África, podem ampliar o clima de tensão em todo o continente. Não se deve descartar, inclusive, a possibilidade de uma nova frente de guerra na região.

 

Neocolonialismo francês por trás de governos corruptos

Em função de seus interesses, a França mantém um “Pacto Colonial” , que preserva a essência das relações econômicas e sociais do passado (em vigor desde 1961), assegurando aos povos de suas ex-colônias africanas uma vida de subsistência, enquanto aprisiona empresas estatais com empréstimos predatórios.

O pacto estabelece que as ex-colônias têm uma dívida pelas “vantagens” ou “avanços” da colonização francesa. Dessa forma, os países “independentes” devem pagar pela infraestrutura construída pela França durante a colonização.

O orçamento pertencente aos países africanos em que o pacto está em vigor é administrado pela França. Nos termos do acordo, cada país africano é obrigado a fornecer pelo menos 65% de suas reservas cambiais em uma conta operacional no Tesouro francês, além de outros 20% para cobrir passivos financeiros.

Os países africanos abrangidos pelo “Pacto Colonial” têm a obrigação de utilizar uma moeda única: o Franco Africano da Comunidade Financeira, franco CFA (XOF) para os países da região do Sahel, e o franco CFA (XAF), para os países da África Central.

O valor dessa moeda foi fixado em Euro desde 1 de janeiro de 1999. Só recentemente os países das ex-colônias da África Central tiveram autorização para criar uma moeda comum, o Eco. No entanto, o Tesouro francês (não a União Europeia) continua a garantir a convertibilidade do franco CFA.

Além disso, o tratado estabelece que a França tem prioridade na compra de todos os recursos naturais das terras de suas colônias. Somente no caso de a França rejeitar seu usufruto, os países africanos estão autorizados a buscar outros parceiros.

Um parágrafo separado do acordo visa apagar todas as línguas nativas e dialetos naturais daquela região do planeta. O “Pacto Colonial” estabelece a obrigação de tornar o francês a língua oficial de cada país.

A França é também o fornecedor exclusivo de equipamento militar e responsável pela formação de oficiais superiores, que devem ser formados na França ou em infraestruturas militares francesas.

 

Ganância das grandes potências

Ao contrário dos golpes frequentes nestes e noutros países africanos, que servem para intensificar saques neocoloniais ou depor líderes não suficientemente dóceis aos seus interesses, os mais recentes levantes militares têm apontado as grandes potências – sobretudo França e EUA – como responsáveis ​​pela presença sangrenta de  grupos islamitas e o saque de seus recursos.

Sempre houve forte influência islâmica no Sahel, visto que 45% dos africanos são muçulmanos. Não por acaso, há muitos focos do Estado Islâmico, Al-Qaeda e do grupo Boko Haram, alvos do combate de tropas governamentais, orientadas e treinadas pos bases militares dos EUA na África, especialmente no Mali, Burkina Faso, Nigéria e Níger.

Os Estados Unidos mobilizaram na última década mais de 1.000 soldados no Níger, que desenvolvem treinamento e assistência ao exército nigerino. De acordo com o relatório do Instituto Tricontinental, os EUA são hoje o país estrangeiro que mais tem bases militares no continente africano. Oficialmente, há 29 instalações em 15 países.

No entanto, também há interesses direitos de russos e chineses, que disputam as riquezas da região. O governo Putin oferece proteção e armamentos a seus aliados, através da atuação do grupo Wagner, em apoio a empresas de mineração russas na República Centro-Africana, Líbia, Sudão, Mali e Moçambique. Os russos têm especial interesse em ouro e diamantes.

Os chineses preferem atuar no incremento comercial, por meio de investimentos externos diretos, ajuda financeira, projetos de infraestrutura e perdão de dívidas. Desde 2009 a China tornou-se o maior parceiro comercial da África, importando petróleo, cobre, bauxita, urânio e alumínio, enquanto suas exportações são principalmente de máquinas, têxteis e eletrônicos. Atualmente, um terço do petróleo importado pela China sai da África.

Na imagem, golpistas anunciando em rede nacional a tomada do poder. (Foto: Reuters)

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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