Imigrante português pode ser expulso dos EUA
A detenção de um cidadão português por agentes da imigração nos EUA acendeu o sinal de alerta para a comunidade lusitana residente naquele país. Rui Murras tem 32 anos, possui o Green Card – cartão de residência permanente – e mora nos EUA desde os dois. Ele é uma das 1.454.262 pessoas de origem portuguesa vivendo nos Estados Unidos, de acordo com o Censo de 2020.
A família criou um portal na internet para pedir donativos, com o objetivo de financiar os custos com a defesa de Rui na Justiça. Murras se encontra na prisão de Portland, cidade do estado do Maine. Nascido em Portugal, ele morou quase toda a sua vida na cidade de New Bedford.
Rui chegou a ter problemas com a Justiça em 2012, quando foi acusado de “distribuir uma substância controlada de Classe D” — maconha — e de “conspiração para violar as leis de drogas”. Mas a acusação foi rejeitada por recomendação do Departamento de Liberdade Condicional, em julho de 2013.
A detenção de Rui Murras aquece ainda mais o debate sobre possíveis detenções por alegações de qualquer espécie, como motivo para a deportação de cidadãos portugueses e de outras nacionalidades nos EUA. Sobretudo no governo de Donald Trump. Mas a questão também é motivo de preocupação para estrangeiros em Portugal e em toda a Europa.
Exagerar para restringir
O assunto ganhou destaque na mídia portuguesa, que todos os dias trata da questão da imigração em matérias e análises. No entanto, o roteiro envolve sempre o aumento de estrangeiros no país e os problemas que isso causaria.
Já não se sabe exatamente quantos imigrantes residem em Portugal. No final de dezembro de 2024, estavam registrados 1.546.521 cidadãos estrangeiros no país, um número que “deverá ser corrigido em alta, previsivelmente em mais 50 mil”, segundo um relatório da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
“Não há 1,6 milhões de imigrantes. É menos, mas interessa dar o maior número possível para dizer que as coisas estão muito mal”. Foi o que garantiu à reportagem do Jornal Público (12/4/25) Manuela Niza, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Migração (STM).
A sindicalista alerta que, até dezembro de 2025, deverão chegar à AIMA milhares de novos processos com demandas de imigrantes. “Estamos muito preocupados porque não estão aceitando reagrupamentos familiares de quem não tem cartões de residente ou cartões já vencidos” e “isso cria problemas pessoais concretos”, concluiu Manuela.
Brasileiros sofrem
As reclamações de brasileiros – a maior comunidade estrangeira no país – são muitas. Processos que não andam, excesso de burocracia e até má vontade da AIMA. Muitos são obrigados a atravessar o país para tentar a regularização.
Entre os problemas impostos aos imigrantes brasileiros, o governo do PSD (centro-direita) acabou com a manifestação de interesse, aumentou o número de barrados na Alfândega, atrasou em até oito meses os vistos nos consulados do Brasil e as conclusões de processos de cidadania.
O governo também ignorou o decreto de prorrogação automática de residência, evitou abrir o canal CPLP (apesar do acordo de mobilidade do bloco dos países de língua portuguesa) e ainda não regulamentou a Lei da Nacionalidade – que beneficiaria milhares de brasileiros. Além disso, dificultou o reagrupamento das famílias, as entrevistas na AIMA para brasileiros com visto e descumpriu regras para renovar autorizações de residência.
Mais tempo para obter cidadania
Outro fator de instabilidade foi lançado recentemente, em plena campanha eleitoral, pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Ele admitiu que o governo estuda a proposta de dobrar de cinco para dez anos a exigência de tempo para a concessão de cidadania portuguesa a estrangeiros residentes no país.
Em recente reunião do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, o governo português aprovou medidas para acelerar a deportação de imigrantes sem direito a ficar no território nacional. Entre elas, a extinção da primeira notificação para abandono voluntário do território nacional e redução dos prazos de recurso à decisão final.
No entanto, ainda não foi anunciada qualquer medida para dar resposta a quem queira regularizar a sua situação no país.
Interesses empresariais
Apesar de sua política conservadora e de tratar a questão da imigração em Portugal com medidas restritivas, o PSD vinha sofrendo pressões das empresas de setores que precisam da mão de obra dos imigrantes para suas atividades.
Por trás do descontentamento dos empresários está a dificuldade para a execução das obras de grande porte, previstas até 2026 pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), financiadas com dinheiro liberado pela União Europeia, num total de 16,6 bilhões de euros. Um dos setores que mais insatisfeito era o da construção civil.
O presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos, chegou a admitir ao Jornal de Notícias que faltavam cerca de 80 mil trabalhadores só para “executar as obras já previstas e agendadas” no PRR.
Contratação direta no estrangeiro
A solução encontrada pelo governo foi criar o Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada (PCMLR), que permite a grandes empresas e associações empresariais portuguesas contratarem trabalhadores no estrangeiro, através da rede de consulados de Portugal.
Cinco confederações empresariais assinaram o PCMLR, que está sendo chamado de “via verde” (via livre) da imigração, conduzida através de um canal direto entre empresas e trabalhadores de outros países, através das estruturas do Estado português.
Por esse instrumento, a entidade empregadora enviará, via e-mail, à Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP), a documentação necessária para agendar um pedido de visto para um indivíduo ou um grupo fora do país.
A DGACCP remeterá o processo para o consulado correspondente, que agendará o atendimento, dando início ao processo de emissão de visto de trabalho e entrada em Portugal, com um prazo de 20 dias para conclusão.
Precarizados e mal pagos
Em entrevista ao jornal Público, Armindo Monteiro, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), aplaudiu o “instrumento de regularização de trabalhadores, senão estaria em causa a atividade de vários setores”. Segundo Monteiro, os empresários não querem “uma migração de porta aberta, mas um programa em função das necessidades das empresas”.
A decisão foi saudada pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Os dois setores são dos que mais dependem diretamente de mão de obra dos imigrantes. São também dos que pagam os salários mais baixos e mais empregam pessoal com contratos de trabalho precários.
De início, falava-se em contratações efetivas, com vínculo de trabalho permanente. Mas a pressão das empresas levou o governo a admitir qualquer das modalidades que constam na legislação trabalhista portuguesa, entre elas os contratos a termo certo, a termo incerto, sem termo, de curta duração, a tempo parcial ou de trabalho temporário.
O protocolo prevê que as empresas devem garantir “habitação adequada” aos trabalhadores migrantes e assegurar o “eventual reforço do alojamento disponível” na região onde o trabalho é prestado. Mas não deixa claro quem vai fiscalizar essas medidas.
Coincidência ou não, o protocolo da “via verde” para regularizar a contratação de imigrantes entrou em vigor em 1 de abril, considerado o “dia da mentira” em Portugal e no Brasil.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes: