Em um cenário de desaceleração da economia, o governo federal terá dificuldades em promover um forte aumento da arrecadação federal para atingir o valor proposto no orçamento de 2024.
A análise, feita por economistas ouvidos pelo Grupo Globo, já considera o bom comportamento das receitas em janeiro deste ano, que bateram recorde ao somar R$ 280 bilhões – valor nunca antes observado.
Com isso, as contas do governo tiveram superávit de R$ 79,3 bilhões no primeiro mês do ano.
A alta de arrecadação projetada no orçamento para 2024 tem por objetivo zerar o déficit das contas do governo, meta que consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada pelo Legislativo. O objetivo é considerado ousado pelo mercado financeiro.
No orçamento de 2024, a projeção para as receitas totais está em R$ 2,72 trilhões, com aumento de cerca de R$ 350 bilhões em relação ao ano de 2023 – quando somaram R$ 2,36 trilhões.
Essa expansão na arrecadação total permitiria uma alta de cerca de R$ 280 bilhões na receita líquida (após as transferências constitucionais aos estados e municípios) neste ano.
Um crescimento tão forte da arrecadação total de um ano para o outro, entretanto, foi registrado em poucas ocasiões:
Em 2010, quando a atividade avançou 7,5%, no repique da crise financeira de 2009.
E também em 2021, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,8% (valor revisado), na esteira da saída da pior fase da pandemia da Covid-19.
Para 2024, a expectativa do mercado é de um crescimento menor da economia em relação a 2010 (+7,5%) e a 2021 (+4,8%). A projeção do mercado é de uma expansão de 1,75% no PIB neste ano, segundo pesquisa realizada na semana passada pelo Banco Central.
Em 2023 , o crescimento do PIB foi de 2,9%, resultado que animou o mercado e a equipe econômica. Com isso, o Brasil subiu duas posições no ranking e passou a ser o 9º país mais rico do mundo.
A equipe econômica aprovou uma série de medidas de aumento de arrecadação em 2023, com impacto em 2024. O objetivo das medidas é elevar a arrecadação em R$ 168 bilhões em 2024.
Entre elas, a MP das subvenções, o retorno do voto de qualidade no Carf, mudanças no regime dos juros sobre capital próprio, além da taxação de “offshores” e de fundos exclusivos.
Analistas opinam
De acordo com o economista Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, o governo não deve conseguir arrecadar R$ 168 bilhões a mais neste ano com as medidas de aumento de arrecadação, conforme o previsto.
Para ele, o valor arrecadado ficará por volta de R$ 100 bilhões, o que resultará, segundo ele, em um déficit orçamentário de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões em 2024.
“Eu acho que o que está faltando são medidas pelo lado da redução de despesas. É isso que garante a sustentabilidade do plano de voo fiscal do [ministro] Haddad. Pelo lado da receita sozinha, não é suficiente, gera fadiga no Congresso. Faltam anúncios de medidas pelo lado da despesa, que estão super maduras”, afirmou o economista Gabriel Leal de Barros.
Ele citou a possibilidade de se propor uma reforma administrativa, uma mudanças nos gastos sociais, evitando sobreposições, e alterações no abono salarial – focando em quem ganha até um salário mínimo (nas regras atuais, têm direito ao abono quem ganha até dois salários mínimos).
Redução de gastos indicam possíveis cortes
Segundo o ex-secretário do Tesouro Nacional, Jefferson Bittencourt, economista da ASA Investments, a receita líquida precisa crescer, a previsão para fechar a meta de déficit zero neste ano, 11,5% em termos reais (acima da inflação), algo que não ocorreu em janeiro – apesar do bom desempenho.
“Foi um resultado bom da arrecadação em janeiro, foi. Dá segurança de que vai ser alcançada a meta? Não, está longe disso (…) A receita tributária, por mais que performe bem, a economia teria de bombar muito para atingir a meta”, acrescentou Jefferson Bittencourt, da ASA Investments.
O analista estimou que as contas do governo deverão registrar um déficit entre 0,8% e 1% do PIB neste ano, entre R$ 90 bilhões e R$ 110 bilhões.
“Pra ficar mais perto do que o mercado imagina, perto de 0,8% [de resultado negativo, algo como R$ 90 bilhões], o governo tem de ser muito bem-sucedido na discussão das MPs 1202 e 1208 [desoneração da folha de pagamentos, Perse e limitação de compensações tributárias]. Se não for bem-sucedido, fica mais perto de 1% [de rombo]. Minha visão é alguma coisa entre 0,8% e 1% do PIB [de déficit]”, explicou.
Déficit zero em 2024
A meta de acabar com o resultado negativo nas contas públicas foi aprovado pelo Congresso Nacional, na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Caso as previsões de arrecadação não se confirmem com o passar dos meses, a área econômica será obrigada a bloquear despesas.
Para evitar o “contingenciamento” de recursos, o governo discute, internamente, a possibilidade de mudar a meta fiscal – passando a prever déficit em 2024.
Se passar a prever rombo nas contas neste ano, segundo analistas, o governo evitará bloqueio de gastos em infraestrutura em um ano eleitoral.
Para alterar a meta fiscal, é preciso mudanças na LDO deste ano. A eventual mudança da meta ainda não foi definida pelo governo.
Consciente das dificuldades, o presidente Lula já admitiu que “dificilmente” o governo alcançará a meta de déficit zero em suas contas em 2024. E acrescentou, posteriormente: “Se der para fazer superávit zero, ótimo. Se não der, ótimo também“. (Foto: Reprodução)