‘Governo tem que mobilizar a base para deixar de ser refém do Centrão’, diz Chico Alencar

Segundo o deputado do PSol, que disputou a presidência da Câmara Federal no inicio dessa legislatura, como tentativa de impedir a reeleição de Arthur Lira (PP-AL), o governo Lula tem que seguir a postura do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que mobilizou a sociedade que o elegeu contra uma situação, semelhante a brasileira, de emparedamento pela extrema direita no legislativo. Para tanto, destaca o parlamentar, a esquerda tem que reaprender o “endereço da rua e da comunicação com o povo”.

 

Thiago Vilarins – Em entrevista ao Opinião em Pauta, Chico Alencar, deputado federal pelo PSol, criticou o atual balcão de negócios que se tornou a relação do executivo federal com a direção da Câmara dos Deputados. O parlamentar lamenta que as suas previsões, feitas no inicio da atual legislatura, quando se opôs a reeleição do atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), estejam se concretizando.

Na ocasião, ele lançou seu nome como alternativa contrária a recondução de Lira ao comando da Casa e alertou que a vitória do seu adversário, com larga vantagem, seria um risco para o governo Lula, já que a “capacidade de barganha e chantagem do Centrão cresceria muito”. Mesmo com as suas sinalizações, o triunfo de Arthur Lira foi com 469 votos contra apenas 21 do psolista e 19 da terceira candidatura.

“Esse é o velho padrão da política brasileira, do toma lá dá cá, do chamado presidência de coalizão, que, quase sempre, é de colisão”, avaliou Alencar diante do cenário político que desenhou em fevereiro e das atuais derrotas e dificuldades que o governo tem sofrido nas votações de seu interesse na Câmara dos Deputados.

Como recado, o grupo político que sustenta o presidente da Câmara decretou revezes ao governo às votações do decreto de Lula com mudanças no marco legal do saneamento básico; à medida provisória (MP) do governo Jair Bolsonaro que passou a afrouxar regras de preservação da Mata Atlântica; ao projeto de lei que define um “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas; e à MP do governo Lula que reorganizou a Esplanada dos Ministérios no início do mandato, onde foram esvaziadas as atribuições das pastas de Meio Ambiente e dos Povos indígenas.

Para não reduzir seus atuais 37 ministérios para os 22 do fim da gestão Jair Bolsonaro, o governo teve que ceder a pressão dos deputados com liberação de mais de R$ 1,7 bilhão em emendas e cargos no segundo e primeiro escalão da máquina federal. Para Chico Alencar, a saída para o governo deixar de ser refém do atual gestor da Câmara e, consequentemente, do seu grupo político, o Centrão, é mobilizar a base político-social que elegeu o presidente Lula, a exemplo do que tem feito o presidente colombiano, Gustavo Petro.

“Diante de uma resistência, de uma base muito conservadora, e até com arreganhos golpistas, lá na Colômbia, ele chamou a sociedade, os movimentos populares, o povo trabalhador para mobilizar. E está peitando, não está entregando ministérios. Ele está querendo cumprir o programa que foi eleito nas urnas contra a candidatura de extrema direita, que ele derrotou”, explicou.

“Tem muita coisa boa acontecendo no Brasil e o povo se chamado, se convocado, vai atender. Mas para isso, o próprio Governo deve convocar essa mobilização. Se ficar paralisado, ‘engabinetado’, só na máquina de governo, sem uma esfera pública ativa e motivada, vai ter que fazer concessões, porque, vamos reconhecer, os conservadores tem maioria no Congresso Nacional”, completou.

O deputado do PSol ressalta que nenhuma destas soluções são simples, ainda mais que a esquerda brasileira está se reestruturando agora com a ascensão do PT ao poder. “Tendo o governo na mão é muito mais fácil. Então, eu acho que a esquerda perdeu um pouco o endereço da rua e da comunicação com o povo. Precisa voltar a falar com os diferentes e com os indiferentes. É uma tarefa que, também, leva algum tempo, mas a gente precisa está alerta para isso”, concluiu.

 

Chico Alencar: Precisamos de mobilização, fazer a praça ecoar no palácio. Para isso tem que ter praça cheia. Não é ficar todo mundo na rua o tempo todo. A gente sabe que não é assim. Mas é um processo crescente de mobilização e de sensibilização”. (Foto: Lis Cappi)

 

Confira a integra da conversa que o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) teve com a reportagem do Opinião em Pauta, na última quinta-feira (15), após reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), sobre as dificuldades do governo de avançar na Câmara dos Deputados as suas pautas aprovadas pelas urnas.

 

No início dessa legislatura, na ocasião da eleição da presidência da Câmara, em que o senhor se candidatou ao cargo, o senhor alertou o risco que seria o apoio do PT ao deputado Arthur Lira. Passados esses quatro meses, o senhor está vendo essa sua previsão ser cumprida ou ela está sendo superada?

Esse é o velho padrão da política brasileira, do ‘toma lá dá cá’, do chamado presidência de coalizão, que, quase sempre, é de colisão. E eu entendo que o melhor caminho para superar isso, claro que não é um estalar de dedos, é o que, por exemplo, o presidente Gustavo Petro, da Colômbia, está fazendo. Diante de uma resistência, de uma base muito conservadora, e até com arreganhos golpistas,  lá na Colômbia, ele chamou a sociedade, os movimentos populares, o povo trabalhador para mobilizar. E está peitando, quer dizer, ele não tá entregando ministérios, ele está querendo cumprir o programa que foi eleito nas urnas contra a candidatura de extrema direita, que ele derrotou. Então, não se faz omelete sem quebrar ovos. Gera alguma tensão, dificuldade, mas, até aqui, está dando certo. Ele tá resistindo. Inclusive, no começo do governo, ele tirou comandantes militares, muito vinculados aos grupos paramilitares, ao terror direitista que havia na Colômbia. E tem o outro lado, também, que são elementos das FARC que não querem depor armas. Mas ele foi e fez uma nova negociação, está tentando domar esses que não tem sensibilidade política e ficam querendo radicalizar, não, mas estreitar, sectarizar. Então, o processo Petro, da esquerda na Colômbia, está sendo muito exemplar e a gente deve se inspirar nele.

 

No cenário brasileiro é clamar a força da base que garantiu esses mais de 60 milhões de votos para o presidente Lula?

Sempre foi assim. Temos que aproveitar o apoio recente desta eleição, o crescimento do PT,  a afirmação de Lula como uma figura pública admirável… Sempre foi a partir da luta, da base social. Tem muita coisa boa acontecendo no país e o povo se chamado, se convocado, ele vai atender esses chamados. Mas para isso existe o próprio Governo, que deve convocar essa mobilização. Se ficar paralisado, ‘engabinetado’, só na máquina de governo, sem uma esfera pública ativa e motivada, vai ter que fazer concessões, porque, vamos reconhecer, os conservadores tem maioria no Congresso Nacional.

 

Então, as dificuldades de aprovação de propostas importantes para o governo, não passam só pelo efeito Lira, que controla o Centrão, mas também por essa configuração, jamais vista, de uma bancada de direita, extremamente conservadora? Isso torna o cenário ainda mais complicado?

Não tem solução simples. Nunca na história do Brasil, desde os anos 30 do século passado, com a ascensão do nazifacismo e, aqui no Brasil, a sua expressão que era o Integralismo, houve tanta base social de apoio para propostas de extrema direita. Elas estão aí. É uma luta de ideias, é uma luta cultural, é uma luta, inclusive, na midiosfera, que a gente negligencia muito. Então, é através desse combate. Agora, por outro lado, é verdade também que o governo da República tem um poder danado, tem muita força. É muito bom o Lula está no governo federal, ele pode retomar isso que ele sabe de cor. Foi assim que ele se afirmou e foi assim que o PT se tornou essa força política expressiva no Brasil. Mobilização e fazer a praça ecoar no palácio. Pra isso tem que ter praça cheia. Não é ficar todo mundo na rua o tempo todo. De repente dá um estalar de dedos e as jornadas de junho de 10 anos atrás voltam a acontecer. Não, a gente sabe que não é assim. Mas é um processo crescente de mobilização, de sensibilização… Por exemplo, nós tivemos a desestruturação do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas… A gente se contentar com a existência deles é pouco, tinha que evitar aquele esvaziamento. O Marco Temporal foi aprovado na Câmara, a gente poderia ter no domingo seguinte a essa votação aqui na câmara, nas capitais do país, um amplo movimento. A questão ambiental e a questão indígena sensibiliza muito a população. E são pautas relativamente simples até as crianças entendem. Mas não se fez nada, eu acho que é uma certa letargia. As Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, os sindicatos, os movimentos diversos… é um pouco um cansaço da luta eleitoral que foi muito intensa, um certo alívio e uma crença a algo ingênuo ou equivocado de que tendo o governo já basta. Tudo vai se resolver. É o que está se provando agora que não é assim.

 

Não se via essa letargia da direita no último governo. Mesmo tendo o poder eles se mobilizavam a cada apelo do ex-presidente. Existe aí, também, uma dificuldade da esquerda se comunicar com a população?

É. Tem um pouco isso. E o Bolsonaro estimulava sempre. Havia uma mobilização que, agora, diminuiu, vamos reconhecer também. Felizmente! Tendo o governo na mão é muito mais fácil. Então, eu acho que a esquerda perdeu um pouco o endereço da rua e da comunicação com o povo, falar com os diferentes e com os indiferentes. É uma tarefa que, também, leva algum tempo, mas a gente precisa está alerta para isso. Achar que só atos do governo ou a Voz do Brasil resolve, é uma ingenuidade, um equívoco.

 

Depois das últimas derrotas na Câmara e de todo o esforço para aprovar uma Medida Provisória simples, como a da estrutura da Esplanada, que custou liberação de emendas, cargos e ministério, o que esperar das próximas votações importantes para o governo aqui nesta Casa, como a reforma tributária, por exemplo?

A gente, na verdade, aqui na Câmara, enfrentou as pautas cruciais desse semestre. A reforma tributária, que é o próximo ponto muito vigoroso, ela divide opiniões. Vai ser uma discussão mais técnica e não tem alguma coisa que o governo queira muito e uma maioria conservadora que rejeite. Eles vão querer deixar intocadas as grandes heranças, as grandes fortunas… Isso é próprio deles e não passa aqui. A não ser que houvesse uma grande mobilização, mas não é um tema que atraia muito o povo a se mexer. Então, acho que, pelo menos, para esse semestre legislativo os grandes embates, na Câmara, já foram travados. Com esse resultado que, ao fim ao cabo, é meio ambíguo. Eu vejo o governo comemorar a vitória por ter os ministérios que queria ter, mesmo esvaziados e adulterados. E o Marco Temporal é algo que tem muito caminho para percorrer: Senado, se aprovado lá, tem o veto do presidente, apreciação do veto, e, ainda o julgamento do Supremo Tribunal Federal.

 

(Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

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