Receita suspende isenção fiscal que Bolsonaro deu a rendimentos de pastores

Ato foi assinado por ex-secretário da Receita em julho de 2022, véspera da eleição

 

A Receita Federal suspendeu um ato do governo Jair Bolsonaro que ampliou a isenção de impostos a pastores e igrejas, publicado em julho de 2022. A medida ampliava o alcance da isenção de contribuições previdenciárias sobre a remuneração de pastores.  A decisão, assinada pelo atual chefe da Receita, Robinson Barreirinhas, foi publicada no Diário Oficial da União  (DOU) nesta quarta-feira (17).

O ato foi suspenso após recomendação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), disse a Receita. “Atendendo a determinação proposta pelo Ministério Público perante o TCU (MPTCU), a Receita Federal suspendeu a eficácia do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022, que dispunha sobre os valores despendidos com ministros de confissão religiosa, com os membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, nos termos dispostos na legislação referente à tributação”, disse a Receita em nota.

Às vésperas da campanha eleitoral de 2022, o então secretário especial, Julio Cesar Vieira Gomes, publicou ato liberando as igrejas de recolher contribuições previdenciárias sobre as chamadas prebendas, um tipo de remuneração especial por meio da qual as igrejas pagam pastores e demais lideranças. Elas não são consideradas “salários”, mas um tipo de pagamento “em face do mister religioso ou para a subsistência”.

Na época, o presidente Jair Bolsonaro (PL) buscava consolidar o apoio do segmento evangélico para a tentativa de reeleição. Contudo, técnicos da Receita apontam que as prebendas acabaram se tornando um mecanismo para que as denominações religiosas não recolham contribuições previdenciárias e Imposto de Renda. Além de liberar as contribuições, a decisão de Vieira Gomes, que tinha tom interpretativo da legislação, criou um precedente oficial para que as igrejas questionassem a cobrança de dívidas previdenciárias milionárias.

É que quando o ato foi publicado, em 1º de agosto de 2022, a Receita cobrava dívidas previdenciárias de diversas instituições religiosas que, no entendimento do Fisco, não faziam jus às isenções porque as prebendas vinham sendo usadas de forma inadequada, em substituição a salários. No Ato Declaratório Executivo nº 1, publicado nesta quarta, o secretário Barreirinhas, indicado ao posto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, suspende a eficácia do ADI publicado pela gestão anterior.

“Com o ato declaratório anterior, provavelmente o contribuinte compareceu à Receita e pediu para (a dívida) ser anulada. Cancelando o ADI de 2022, a Receita pode voltar a lançar? Pode, mas não aquilo que já ultrapassou 5 anos. O que era de 2016 não pode lançar mais. A existência daquele ADI de 2022 tem grandes chances de ter causado prejuízo? Sim. Lançamentos de fatos geradores antigos todos foram cancelados”, afirmou Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional.

A partir de agora, valores pagos por igrejas a pastores e por instituições vocacionais voltam a ser considerados remuneração direta, o que exige o pagamento das contribuições previdenciárias. Anteriormente, eram consideradas remunerações somente as frações do pagamento referentes a aulas ou atividade laboral propriamente dita.

Lideranças evangélicas criticaram a Receita Federal. A revogação do ato deve piorar ainda mais a relação do presidente Lula com a bancada evangélica no Congresso Nacional. “A esquerda acaba de dar um ‘prato cheio’ aos religiosos; essa é a prova que eles odeiam os evangélicos e os religiosos”, disse o líder do Frente Parlamentar Evangélica, deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

Os templos religiosos, porém, já possuem isenções de impostos federais. Além disso, a Reforma Tributária, promulgada em dezembro do ano passado, ampliou o benefício para entidades religiosas, permitindo que quaisquer organizações ligadas a igrejas também não paguem tributos.

Joias sauditas

Ex-chefe da Receita no governo Bolsonaro, Julio Cesar Vieira Gomes atuou pessoalmente para pressionar funcionários do órgão para que liberassem um conjunto de joias enviadas pela Arábia Saudita ao então presidente. A entrada dos itens no País com uma comitiva oficial do governo Bolsonaro foi barrada por servidores da Receita em outubro de 2021. Com a derrota nas eleições de 2022, o então presidente mobilizou aliados para que eles resgatassem os itens de valor apreendidos para que os objetos fossem incorporados ao acervo pessoal de Bolsonaro de forma irregular.

Vieira Gomes foi exonerado no fim de maio de 2023 após obter uma decisão judicial favorável. Ele havia pedido o desligamento em abril, mas a atual gestão da Receita barrou a saída dele alegando que era necessário aguardar a conclusão de um procedimento investigatório aberto contra ele na Controladoria-Geral da União (CGU).

(Foto: Carolina Antunes)

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