Decisão ocorre em meio a atos e ocupações de terra do MST no “abril vermelho”. Anuncio do novo programa nacional está sendo acertado com a Presidência da República
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) vai lançar, entre o fim de abril e o começo de maio, a retomada do programa nacional de reforma agrária. A pasta vem sendo pressionada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) com mobilizações durante este mês, tradicionalmente marcado, desde 1997, por mobilizações para cobrar agilidade no programa da reforma agrária, denominado como “Abril Vermelho”. Segunda-feira passada, inclusive, foi o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, data em memória dos mártires do massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996.
Em nota encaminhada a reportagem do Opinião em Pauta, o ministério afirmou que “tem trabalhado pela retomada do programa de reforma agrária no Brasil, paralisado nos últimos anos”, e frisou que sua atuação “é pautada pela Constituição Federal, com relação à proteção da propriedade privada e sua função social”.
“A atuação do ministério é pautada pela Constituição Federal, com relação à proteção da propriedade privada e à função social da propriedade. O MDA já recebeu a pauta da 26º Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária e, em diálogo com a Presidência da República, está elaborando medidas para a retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, paralisado nos últimos anos. Ainda não há uma data definida para o seu lançamento. Mas a previsão é entre o fim de abril e o começo de maio”, disse o comunicado.
A pasta também destacou a criação da Diretoria de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, em março, para mediar conflitos como os que ocorreram entre o MST e a produtora de Celulose Suzano, na Bahia. Nesta semana, o próprio ministro se reuniu com representantes de movimentos de luta pelas terras para pedir a desocupação das áreas rurais públicas por parte dos sem terra a fim de manter “o diálogo com o governo”.
“Em reuniões com lideranças dos movimentos sociais do campo, na segunda (17) e nesta terça-feira (18), o ministro Paulo Teixeira solicitou a desocupação das áreas para a manutenção do diálogo entre movimentos sociais e governo federal”, diz a nota em resposta aos questionamentos do Opinião em Pauta.
Nesta terça-feira (18), a rogativa aconteceu durante reunião, em Brasília, com representantes de movimentos sociais de Alagoas. Na ocasião, o ministro reforçou os esforços do MDA em defesa da agricultura familiar nos primeiros 100 dias de governo e informou nas redes sociais que está “debruçado na construção do plano nacional de reforma agrária”.
Os representantes de sete movimentos de luta pela terra de Alagoas, entre eles o MST, reivindicaram uma posição sobre a reforma agrária, além da exoneração do atual superintendente Cesar Lira, a desapropriação das terras do Grupo João Lyra para novos assentamentos e a implementação de subsídios para infraestrutura, como estradas e pontes.
“Desbolsonarização” do Incra
O MST vem pressionando o governo federal e aponta lentidão na retomada das pautas da reforma agrária. Segundo João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, em entrevista coletiva na última terça-feira, em Brasília, o governo ainda mantém bolsonaristas ou ligados ao agronegócio no comando de superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos Estados, além de dez cargos vagos no País. O MST pede que o governo substitua os bolsonaristas e preencha todos os cargos-chave do órgão responsável pela reforma agrária no País.
O MST também cobra que o governo Lula estabeleça políticas de crédito para famílias assentadas na reforma agrária e que “assente todas as famílias acampadas desde o governo Dilma”. Desde 2016, disse Rodrigues, “não se assentou uma única família nesse país”.
“É importante que a imprensa ajude a informar isso para a população. Eu tô falando de famílias que estão há dez anos debaixo da lona, cinco anos, seis anos, e por isso tem que ter uma saída. Essas famílias que estão debaixo da lona são aproximadamente 60 mil famílias e, no total, as que estão cadastradas e lutam pela terra, chegam a 100 mil famílias”, protestou.
O MST quer que o governo apresente o mais rápido possível um plano nacional de reforma agrária. O economista e integrante da Diretoria Nacional do MST, João Pedro Stedile, também reiterou que o movimento realizará “ocupações de terra” em todo o país até o fim deste mês de abril, além de marchas, vigílias, e “as mil e uma formas de pressionar a lei”.
O movimento defende que as terras ocupadas são improdutivas. Stedile esteve presente na delegação brasileira à China, junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.
As ações do movimento em abril, com promessa de novas ocupações nas próximas semanas, acirrou a situação e gerou forte reação da bancada ruralista, no Congresso, e de entidades que representam empresas do agronegócio.
Senador Beto Faro cobra retomada do debate no Congresso
“Precisamos retomar esta pauta com afinco para que este tema seja tratado da forma que merece. É preciso que a data [do massacre] tenha a devida importância e não seja apenas mais um dia de lembranças das lutas, mas seja marcado por conquistas”, discursou o senador Beto Faro (PT-PA) na última segunda-feira (17). Da tribuna do Senado ele lembrou que muitos assentamentos precisam de cuidado, já que foram completamente abandonados pelas gestões anteriores. Produtores que já contribuíram muito para a produção de alimentos e até mesmo podem auxiliar no reflorestamento, foram esquecidos pelo Estado.
“É fundamental a organização de políticas públicas e estruturas mínimas para dar condições a estas famílias que se encontram em assentamentos. Estes produtores que lutam pela reforma agrária são uma base produtora muito forte em todo o nosso país, e devem ser tratados da melhor forma possível”, destacou. “Nosso governo foi marcado por dar atenção a quem mais precisa, e não pode ser diferente neste no que se refere a Reforma Agrária”, emendou Beto Faro.
Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula foram incorporados 47,6 milhões de hectares ao programa, mais que o dobro do executado nos oito anos em que o antecessor Fernando Henrique Cardoso esteve na Presidência (20,8 milhões). “Nos primeiros cem dias do governo Lula, vimos diversas ações voltadas a retomada de políticas públicas que atendem a quem mais precisa. E isso nos deixa muito esperançosos com o futuro para essa classe trabalhadora. Todos sabemos que o Brasil voltou. E porque não afirmar que a luta pela reforma agrária voltou também”, disse o senador.
(Foto:Reprodução/MST)