Por Henrique Acker – Uma operação policial realizada dia 19 de dezembro tornou-se motivo de polêmica na sociedade portuguesa. A batida da Polícia de Segurança Pública (PSP) no Martim Moniz, bairro da Freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, teve como alvo imigrantes da Índia e do Bangladesh.
Parte das vias do bairro foi fechada e dezenas de imigrantes encostados com a cara contra a parede na rua do Benformoso. No mesmo dia, o PSD – partido do governo – e o Chega (extrema-direita) aprovaram na Assembleia da República nova legislação, limitando o acesso de imigrantes ainda sem título de residência ao serviço público de saúde em Portugal.
Questionado sobre o ocorrido no Martim Moniz, o primeiro-ministro Luis Montenegro apoiou a atuação da polícia, classificada como “operação especial de prevenção criminal” pela PSP.
Montenegro considerou importante que operações como esta decorram, para que haja “visibilidade e proximidade no policiamento e fiscalidade de atividades ilícitas”. E confirmou que essas operações vão continuar.
Resultado pífio
Na operação, foram detidas duas pessoas, apreendidos 3.435 euros em dinheiro, um passaporte e diversos documentos por suspeita de auxílio à imigração ilegal, 581 gramas de haxixe, uma faca com mais 10 centímetros de lâmina e um celular que constava como furtado.
Miguel Coelho (PS), presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, lembrou que o ocorrido é típico de regimes ditatoriais. “Seriam capazes de fazer isto em Campo de Ourique, nas Avenidas Novas, no Lumiar?” – áreas nobres de Lisboa – questionou.
“São pessoas que nos levam comida em casa, que estão nos campos colhendo a fruta que nós comemos. São pessoas que estão fazendo as empresas crescerem, que são exploradas pelos empresários e são pessoas humildes”, afirmou Coelho.
“Não é por conta dessas pessoas que tenho aqui alguma sensação de insegurança”, arrematou o autarca indignado. O presidente da Junta de Freguesia disse que o presidente da República deve um pedido de desculpas à sua comunidade.
Já Carlos Moedas (PSD), prefeito de Lisboa, declarou que é preciso mais polícia nas ruas para dar maior sensação de segurança à população.
Racismo e xenofobia
Os representantes de organizações de defesa dos imigrantes e de direitos humanos condenaram a tentativa de associar a imigração à violência e ao aumento da insegurança em Portugal. Consideram as medidas adotadas pelo governo como racistas e xenófobas.
Os indicadores de criminalidade do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023 mostram que há um aumento de crimes contra imigrantes, por conta da atuação de grupos extremistas em Portugal, inclusive nas forças de segurança, ressaltou Miguel Marujo, representante da Anistia Internacional.
Marujo destacou a existência de uma desproporcionalidade entre o volume dos recursos utilizados na operação policial no Martim Moniz e os resultados obtidos pela PSP.” Este tipo de operação contribui para o alarme social.”
O SOS Racismo acusa o governo Montenegro de reduzir os direitos dos imigrantes. E que a operação policial reforça o racismo e a xenofobia. “São imagens de um Estado policial, uma operação fracassada”, disse Pedro Pedrosa, do Humans Before Borders (HUBB).
Partidos se manifestam
Os partidos de esquerda querem que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, compareça ao parlamento para prestar esclarecimentos.
Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista, classificou a operação de “espetáculo degradante” e “inaceitável num regime democrático”.
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, acusou o PSD de fazer “campanha para disputar apoio eleitoral com a extrema-direita, usando para isso os meios e os recursos das forças de segurança”.
André Ventura, dirigente do Chega, elogiou a ação policial e pediu que as operações policiais se realizem mais vezes.
O que diz o relatório sobre segurança pública
Os dados estatísticos sobre segurança pública em Portugal são registrados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). De acordo com o RASI de 2023 (o mais recente):
– Crimes de tráfico de pessoas, de auxílio à imigração ilegal e de ódio (étnico ou racial) estão aumentando desde 2019. O que o RASI mostra não é um aumento dos crimes de imigrantes, mas um aumento dos crimes contra imigrantes.
– O crime de ódio está relacionado no RASI com o surgimento de mais grupos de extrema-direita ou neonazistas em Portugal, referindo o relatório a preocupação com a infiltração destes grupos nas forças de segurança.
– Apesar do aumento da criminalidade, Portugal é o sétimo país mais seguro do mundo e o quarto na União Europeia. Fonte: Global Peace Index 2023.
– 16,7% da população prisional do país é composta por estrangeiros. De cada seis reclusos, um é estrangeiro e cinco são portugueses. Fonte: Conselho da Europa. (Fotos: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes: