Henrique Acker (Correspondente internacional) – A julgar pelos discursos e entrevistas concedidas por Lula e o ex-chanceler Celso Amorim (atual assessor da Presidência), o governo brasileiro aposta numa política externa bem mais ousada do que a dos governos petistas anteriores.
A estreia desta política se deu já antes mesmo da viagem a Portugal e Espanha, em abril deste ano, quando Lula defendeu a necessidade da formação de um grupo com representantes de diversos países para a busca da paz entre Rússia e Ucrânia.
Apesar de sua conhecida habilidade, o Lula que se apresenta no cenário e nos fóruns internacionais neste terceiro mandato fala duro e mete o dedo nas feridas.
A começar pela crítica aos fóruns internacionais, como a composição do Conselho de Segurança da ONU, do G7 e do G20. Para o presidente brasileiro essas organizações não refletem a nova correlação de forças internacional, forjada a partir do desmonte da URSS e do início do século XXI.
Num discurso para milhares de jovens, no intervalo de um show em frente à Torre Eiffel, nesta quinta-feira (22/6) em Paris, Lula condenou a hipocrisia dos países europeus, que hoje exigem a contenção do desmatamento a países da América Latina, da Ásia e da África, mas que não se preocuparam em fazer sua parte quando adotaram a revolução industrial, há 200 anos atrás.
No caso dos BRICS, o governo brasileiro já discute a possibilidade do uso de uma moeda alternativa ao dólar para as transações comerciais dos países do grupo, que tende a ser ampliado e fortalecido com a adesão de países como Irã, Arábia Saudita, Egito, Argélia e a Argentina.
Em relação ao acordo União Europeia-Mercosul, que chegou a ser confirmado em 2019 mas não saiu do papel, Lula vê chantagem em exigências que condicionam o comércio regular entre os dois blocos ao cumprimento de algumas cláusulas no plano ambiental.
Para Celso Amorim, o governo brasileiro não pode aceitar um acordo que o submeteria a relações neocoloniais. O ex-ministro das relações exteriores refere-se ao cumprimento das normas sobre desmatamento.
Lula lembrou que nem mesmo as potências ocidentais cumpriram as normas do Acordo de Paris.
Em conversa com Emmanuel Macron, o presidente do Brasil manifestou preocupação com a política protecionista do governo francês em relação ao mercado interno para seus produtos agrícolas.
O governo brasileiro também questiona a imposição de um capítulo sobre licitações públicas no Brasil, avaliadas em mais de US$ 150 bilhões ao ano. Pelo pacto, esse mercado estaria aberto às empresas europeias, o que coloca em risco a capacidade de concorrência das indústrias nacionais.
Apesar das reservas com que foram vistos o encontro com Giorgia Meloni (primeira-ministra de extrema-direita da Itália) e com o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed Bin Salman, ou a discrição nas críticas do presidente brasileiro ao governo Putin, Lula vem assumindo um protagonismo no cenário internacional como principal liderança dos chamados países emergentes.
A ideia do governo é que o Brasil se firme como porta-voz para a busca de uma ampla reforma do sistema político internacional.
Lula deu o recado no discurso que proferiu na Cimeira de Paris: “Se preparem. Estou com mais vontade de brigar nesses três anos que eu vou presidir o Brasil”, declarou. (Foto: Ricardo Stuckert/Planalto)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)