Governo e entidades vão judicializar decisão do Congresso sobre marco temporal

Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula contra a tese do Marco Temporal, que limita a demarcação das terras indígenas

 

Assim que o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à tese do marco temporal, o governo federal e entidades que representam movimentos indígenas anunciaram que vão entrar com um pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) analise o caso. A informação foi dada pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, na noite de quinta-feira (14), logo após a derrubada do veto pelo Legislativo.

“Essa decisão vai totalmente na contramão dos acordos climáticos que o Brasil vem construindo globalmente no atual governo do presidente Lula para o enfrentamento à questão da emergência climática que também coloca em risco os direitos e as proteções dos territórios indígenas e de suas populações”, disse ela. “O Ministério dos Povos Indígenas vai acionar a Advocacia Geral da União (AGU) para dar entrada no STF a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade a fim de garantir que a decisão já tomada pela alta corte seja preservada, assim como os direitos dos povos originários”, completou.

As pastas devem alegar inconstitucionalidade da tese. Anteriormente, a AGU já se manifestou nesta linha, quando embasou o veto de Lula ao tema. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) discorreu nesta sexta-feira (15) que, além de pedir a anulação da lei, a considera como “a lei do genocídio indígena”. Também protocolou no STF, nesta tarde, uma solicitação de audiência no STF para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem na nova Lei 14.701/2023, que já foi criada com os vetos do presidente, mas que agora passará a contar com os artigos vetados por ele. A ação deve ser impetrada em 48 horas, logo após a promulgação da lei, que ocorre e terá como partes os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

A tese do marco temporal é defendida pela bancada ruralista. Na prática, a derrubada do veto significa que os indígenas só tem direito às terras que ocupavam na época da promulgação da Constituição de 1988. Entre os deputados, foram 321 votos contrários ao veto e 137 votos favoráveis. Já entre os senadores, foram 53 contrários e apenas 19 favoráveis. Agora, os trechos que haviam sido vetados serão incorporados à Lei 14.701/23, que estabelece o marco temporal no país.

A deputada federal Célia Xakriabá e outros parlamentares da base do governo destacaram que a tese já foi declarada inconstitucional pelo STF no final de outubro. Nove dos 11 ministros deram razão aos povos indígenas ao reconhecerem que a Constituição não prevê um critério de tempo para validar as demarcações. Os únicos favoráveis ao marco temporal foram os dois integrantes da Corte indicados por Jair Bolsonaro (PL): Nunes Marques e André Mendonça.

A indígena Juliana Cardoso, também deputada federal pelo PT de São Paulo, afirmou que a despeito da derrota para o governo federal, “a luta continua”. “O Congresso Nacional ataca mais uma vez os nossos direitos. Mesmo com o STF declarando inconstitucional a tese do Marco Temporal, o plenário desta casa aprovou a derrubada do veto 30/23 que protegia os direitos à terra dos povos indígenas. A luta continua!”, disse em seu perfil no X, antigo Twitter.

Luis Ventura Fernández, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), reiterou as entidades habilitadas vão ingressar com uma ADI no STF. Fernández defendeu que a tese traz insegurança jurídica para os territórios indígenas no país e ameaça a sobrevivência dos povos.  Ele também afirma que a derrubada dos vetos representa “o que significa o Poder Legislativo hoje no país”. “O marco temporal é inconstitucional. É um fato. Algo que já foi declarado pelo STF. O Executivo também se manifestou pela inconstitucionalidade do marco temporal quando vetou trechos. Portanto não cabe uma decisão do Congresso Nacional no sentido contrário. Dessa forma, o Congresso Nacional se coloca à revelia da Constituição”, disse.

Os congressistas, no entanto, mantiveram alguns trechos da legislação, como a parte que dava ao governo federal a possibilidade de tomar uma terra indígena para destiná-la a fins de interesse público e reforma agrária.  Outro ponto foi o não contato com indígenas isolados. Anteriormente, os congressistas haviam decidido que o Estado pode fazer esse tipo de contato. O governo Lula, entretanto, argumentou que a Constituição não indica para essa possibilidade. Agora, o argumento foi aceito pelos congressistas.

Mais controvérsias

Além do marco temporal, outras teses consideradas inconstitucionais pela Apib passaram a fazer parte da lei, como a participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas. A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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