Governo dos EUA agiu para impedir um golpe no Brasil em 2022, diz Financial Times

Segundo matéria publicada nesta quarta-feira, presidente Joe Biden atuou silenciosamente para garantir que o processo eleitoral brasileiro

 

Reportagem publicada nesta quarta-feira (21) pelo jornal britânico Financial Times diz que houve uma campanha de pressão silenciosa do governo dos Estados Unidos (EUA) para instar os líderes políticos e militares do país a respeitar e salvaguardar a democracia brasileira durante as eleições presidenciais de 2022, que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo fontes da publicação, até o então vice-presidente Hamilton Mourão mostrou-se preocupado com os rumos do país.

Sob o título “A discreta campanha dos EUA para defender a eleição no Brasil”, o texto afirma que os Estados Unidos recorreram à sua relevância na política internacional para desmentir alegações de Jair Bolsonaro (PL) sobre as urnas eletrônicas e pressionar líderes políticos e militares brasileiros a respeitar a democracia. Em junho de 2022, Bolsonaro convocou uma reunião com embaixadores em Brasília a fim de colocar em dúvida a lisura da apuração do processo eleitoral. Atitude semelhante à do ex-presidente Donald Trump, nas eleições americanas de 2020, que culminou com seu apoiadores no Capitólio, em Washington, tentando anular os resultados do pleito em janeiro de 2021.

De acordo com as fontes do Financial Times, o governo Biden temia algo parecido no Brasil e tentou transmitir a mensagem sem parecer que estava interferindo nas eleições de outro país. A solução, segundo eles, foi uma campanha coordenada, mas sem propagandas, em vários setores do governo dos EUA, incluindo militares, CIA, departamento de estado, Pentágono e Casa Branca. “Foi quase um ano de estratégia, sendo feito com um objetivo muito específico, não de apoiar um candidato brasileiro em detrimento de outro, mas muito focado no processo (eleitoral), em garantir que o processo funcionasse”, diz Michael McKinley, ex-funcionário do departamento de estado e ex-embaixador no Brasil.

Conforme o ex-funcionário do departamento de estado Tom Shannon, a estratégia começou com a visita do conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden, Jake Sullivan, ao Brasil em agosto de 2021. Um comunicado da embaixada disse que a visita “reafirmou a relação estratégica de longa data entre os Estados Unidos e o Brasil”. No entanto, Sullivan deixou a reunião com Bolsonaro preocupado, conta Shannon. “Bolsonaro continuou falando sobre fraude nas eleições americanas e continuou entendendo sua relação com os Estados Unidos nos moldes da sua relação com o presidente Trump”, disse diz Shannon, que também é ex-embaixador dos EUA no Brasil e mantém contatos próximos no país, acrescenta.

“Sullivan e a equipe que o acompanhou saíram pensando que Bolsonaro era totalmente capaz de tentar manipular o resultado das eleições ou negá-lo como fez Trump. Portanto, pensou-se muito em como os Estados Unidos poderiam apoiar o processo eleitoral sem parecer interferir. E é assim que começa”, completou.

Tom Shannon também relembrou uma visita do então vice-presidente Hamilton Mourão a Nova York para um almoço privado com investidores, em julho do ano passado, em meio à crescente tensão às vésperas das eleições. Depois de responder às perguntas sobre os riscos de um golpe, ele repetiu que estava confiante de que as Forças Armadas do Brasil estavam comprometidas com a democracia. Mas dentro do elevador ao lado do ex-embaixador, o discurso foi outro. “Quando a porta estava fechando, eu disse a ele: ‘Você sabe que sua visita aqui é muito importante. Você ouviu as pessoas ao redor da mesa sobre suas preocupações. E compartilho dessas preocupações e, francamente, estou muito preocupado’. Mourão virou para mim e disse: ‘Eu também estou muito preocupado’.”

 

Mourão desmente reportagem

De acordo com o Financial Times, o porta-voz de Mourão se recusou a comentar. Em sua conta no Twitter, Mourão negou qualquer conversa privada: “Sobre a matéria que relata a suposta atuação do governo Biden no processo eleitoral brasileiro, publicada hoje pelo Financial Times, esclareço que nunca se estabeleceu o citado diálogo entre eu e o senhor Tom Shannon. Não houve nenhuma conversa privada com o ex-embaixador após o encontro com investidores, em Nova York”, desmentiu o senador.

A reportagem reforça que após a reunião de Bolsonaro com os embaixadores, em que o então presidente voltou a colocar em xeque a lisura das urnas eletrônicas, o departamento de estado americano emitiu um endosso incomum ao sistema de votação, dizendo que “o sistema eleitoral capaz e testado pelo tempo e as instituições democráticas do Brasil servem de modelo para as nações do hemisfério e do mundo”. “A declaração dos EUA foi muito importante, principalmente para os militares”, disse um alto funcionário brasileiro. “Eles recebem equipamentos dos EUA e fazem treinamento lá, então ter um bom relacionamento com os EUA é muito importante para os militares brasileiros . . . A declaração foi um antídoto contra a intervenção militar”, completa.

Vale ressaltar que nesta quinta-feira (22), Bolsonaro será julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), justamente pela reunião com os diplomatas estrangeiros. A acusação é de que o ex-capitão teria abusado do poder político. Se for condenado, ele se tornará inelegível.

(Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)

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